A Bomba da Desdolarização: a Chegada do Ecossistema Monetário Descentralizado dos BRICS+. Por Pepe Escobar
Bem-vindos à Unidade – conceito que já foi discutido pelo grupo de trabalho de serviços financeiros e investimentos criado pelo Conselho Empresarial dos BRICS+, e que tem boas chances de se converter na política oficial dos BRICS+ já em 2025.
Segundo Alexey Subbotin, fundador da empresa Arkhangelsk Capital Management, e um dos idealizadores da Unidade, esse é um novo sistema de solução de problemas que trata da principal questão geoeconômica destes tempos turbulentos: uma crise global de confiança.
Ele sabe de tudo em primeira mão: um tarimbado profissional em assuntos financeiros, com experiência em investimentos bancários, gerenciamento de ativos e questões empresariais, Subbotin lidera o projeto da Unidade sob os auspícios do IRIAS, uma organização internacional intergovernamental montada em 1976 nos termos do estatuto da ONU.
A Maioria Global não aguenta mais a estrutura monetária com controle centralizado criada há 80 anos em Bretton Woods, como todas suas falhas endêmicas: déficits crônicos, incentivos a gastos militares irresponsáveis, bolhas especulativas, sanções politicamente motivadas e sanções secundárias, abuso da infraestrutura de amortizações e pagamentos, protecionismo e falta de arbitragem justa.
A Unidade, ao contrário, propõe uma solução rápida, confiável e economicamente eficiente para pagamentos transfronteiras. A Unidade – transacional – é um divisor de águas, como uma nova forma de moeda internacional passível de ser emitida de forma descentralizada, e em seguida reconhecida e regulamentada no nível nacional.
A Unidade oferece uma solução única para os gargalos na infraestrutura das finanças globais, sendo utilizável em operações bancárias tradicionais e também nas formas mais novas de operações bancárias digitais.
A Unidade pode também ajudar a derrubar o apreçamento injusto no comércio de commodities com a criação de uma nova Bolsa Mercantil Eurasiana – justa e eficiente – onde as transações comerciais e os pagamentos podem ser feitos em uma nova moeda, criando uma ponte entre fluxos comerciais e o capital, preparando assim o caminho para o desenvolvimento de novos produtos financeiros para o investimento externo direito (IED).
A força da Unidade, em termos conceituais, é remover a dependência direta de moedas de outros países, bem como oferecer, em especial à Maioria Global, uma nova forma de dinheiro apolítico – com enorme potencial para ancorar comércio e investimentos justos.
Esse é um conceito de fato novo em termos de uma moeda internacional – ancorada em ouro (40%) e nas moedas dos BRICS+ (60%). Não se trata nem de cripto nem de stablecoin – como demonstrado aqui.
A Beleza da Fractalização – A Maioria Global compreenderá de imediato o propósito primário da Unidade: harmonizar o comércio e os fluxos financeiros ao mantê-los longe das pressões políticas ou “regras” que podem ser distorcidas ao bel-prazer. A consequência inevitável se traduz em soberania financeira. O que importa em todo esse processo são políticas monetárias independentes focadas no crescimento econômico.
Esse é o ponto mais atraente para a Maioria Global: um ecossistema completo que oferece infraestrutura monetária complementar independente. O que, sem dúvida alguma, poderá ser estendido a parceiros interessados do Ocidente Coletivo.
Agora vamos ao nível prático: como explica Subbotin, o ecossistema da Unidade pode ser facilmente escalável, uma vez que ele deriva de uma arquitetura fractal apoiada por regras simples. Novos nós da Unidade podem ser criados tanto por agentes soberanos ou por agentes privados, seguindo um detalhado manual de regras sob a custódia do IRIAS, que consta da Carta da ONU.
Os organizadores da Unidade empregam uma plataforma distribuída: uma tecnologia que garanta transparência, evitando controles de capital ou qualquer tipo de manipulação de taxas de câmbio. O que significa que a conexão está disponível a todas as DEX abertas e plataformas digitais operadas por bancos comerciais e Bancos Centrais de todo o mundo.
Ao final, todos, essencialmente, poderão usar a Unidade para contabilidade, escrituração contábil, precificação, liquidação, pagamentos, poupança e investimentos.
Não é de admirar que as possibilidades institucionais sejam bastante sedutoras – já que a Unidade pode ser usada para contabilidade e liquidação para os BRICS+, para pagamentos e precificação na União Econômica Eurasiana (UEEA) ou como moeda de reserva para a África Subsaariana.
E aqui vai o ponto central: a Unidade já recebeu o apoio do Conselho Empresarial dos BRICS e consta da agenda da importantíssima reunião ministerial a ter lugar na Rússia no próximo mês, que irá formular a programação para a cúpula de outubro próximo, em Kazan.
Isso significa que a Unidade conta com todo o necessário para ser colocada sobre a mesa como um assunto a ser seriamente debatido pelos BRICS+, e futuramente adotado já em inícios de 2025.
Musk e o Novo Banco de Desenvolvimento vão aderir? – No pé em que as coisas andam, a prioridade para os formuladores da Unidade – a quem eu segui por mais de um ano em diversas reuniões detalhadas em Moscou – é informar o público em geral sobre o novo sistema.
A equipe da Unidade não está de modo algum interessada em mergulhar nas escaldantes águas da política nem em se deixar encurralar por argumentos ideologicamente carregados. Referências diretas a conceitos inspiradores, embora muitas vezes controversos, ou a autores como Zoltan Pozsar, podem vir a enterrar o conceito da Unidade em nichos, limitando assim seu impacto potencial.
O que temos pela frente pode ser extraordinariamente animador, uma vez que a Unidade pode vir a interessar a desde Elon Musk até o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS, esperando-se que ela venha a engajar um conjunto de atores de importância crucial. Após uma avaliação positiva do Ministro das Finanças Anton Siluanov – que permanece no cargo no novo governo russo – não é inverossímil imaginar o assunto sendo discutido por Putin e Xi em um encontro cara-a-cara nesta semana, em Pequim.
Nas atuais circunstâncias, a principal conclusão é que a Unidade deve ser vista como uma solução técnica praticável para o teoricamente Insolúvel: um sistema de pagamentos/comércio globalmente reconhecido imune a pressões políticas. Essa é a única solução possível – não há nenhuma outra.
Enquanto isso, os formuladores da Unidade estão abertos a críticas construtivas e a todas as formas de colaboração. Mas, mais cedo ou mais tarde, as fileiras se alinharão no campo de batalha – e então será uma questão de levar o sistema ao máximo de perfeição.
“Academicamente Correto, Tecnologicamente Inovador” – Vasily Zhabykin, coautor de um white paper sobre a Unidade e fundador do Centro C.F.A., o parceiro tecnológico da Unidade no Centro Skolkovo de Inovação, em Moscou, ressalta que a Unidade “representa dinheiro apolítico, podendo ser uma conexão entre o Sul Global e o Ocidente”.
Ele insiste em apontar que “a Unidade pode manter todas as engrenagens em movimento, diferentemente a maior parte dos demais conceitos que implicam ‘matadores do dólar’ etc. Não queremos prejudicar ninguém. Nosso objetivo, ao contrário, é a ‘cura do câncer centralizado’ “.
Subbotin e a equipe da Unidade “têm todo o interesse em conhecer novos parceiros que compartilhem nosso enfoque e estejam dispostos a agregar valor a nosso projeto”. Se for esse o caso, eles podem nos enviar uma lista de três maneiras pelas quais podem contribuir para o aperfeiçoamento da Unidade”.
Uma medida de acompanhamento ousada seria, por exemplo, uma conferência virtual sobre a Unidade, com a participação do economista russo Sergey Glazyev, Yannis Varoufakis, Jeffrey Sachs e Michael Hudson, entre outros.
Por email, Glazyev, membro da Academia Russa de Ciências e Ministro da Integração e Macroeconomia da União Econômica Eurasiana (UEEA), resumiu o potencial da Unidade:
“Venho acompanhando o desenvolvimento da Unidade há mais de um ano, e posso confirmar que ela oferece uma solução muito oportuna e praticável. Ela é academicamente correta e tecnologicamente inovadora, e ao mesmo tempo complementar à infraestrutura bancária existente.
Seu lançamento sob os auspícios de uma instituição da ONU lhe confere legitimidade, o que claramente falta à atual estrutura Bretton Woods. Medidas recentemente tomadas pelo governo dos Estados Unidos, bem como o tonitruante silêncio do FMI, indicam uma evidente necessidade de mudança.
Uma abordagem descentralizada à emissão de uma moeda comercial potencialmente global, cujo valor intrínseco está ancorado em ouro físico e nas moedas do BRICS+, torna a Unidade o mais promissor de diversos enfoques sendo examinados. Ela equilibra as prioridades políticas de todos os participantes, ao mesmo tempo em que ajuda cada economia soberana a se desenvolver de uma maneira que lhe seja ótima.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e os BRICS+ adotarão o conceito da Unidade e contribuirão para que esta se torne o pináculo da nova infraestrutura financeira global que vem surgindo. livre de interferências políticas malignas e focada no comércio justo e no crescimento econômico sustentável”.
Um exemplo claro e prático de possível solução de problemas no âmbito da Unidade diz respeito às relações comerciais entre Rússia e Irã, os dois principais membros dos BRICS. O comércio russo com o Irã não gera lucros em razão das sanções – e nenhum dos dois pode fazer pagamentos em dólares dos Estados Unidos ou em euros.
As empresas russas sofrem perdas significativas após mudar para pagamentos em moedas nacionais. A cada transferência, as empresas russas perdem em média até 25%, em razão da discrepância entre a taxa de mercado praticada no Irã e a taxa estatal.
E aqui vai a principal conclusão: os BRICS+, bem como a Maioria Global, só podem se fortalecer com o desenvolvimento de vínculos geoeconômicos mais estreitos. A remoção do capital especulativo ocidental irá liberar o comércio de commodities local, permitindo a criação de um pool de capital investível para o desenvolvimento sustentável. Para acessar esse vasto potencial, a Unidade talvez seja a principal solução.
Tradução de Patricia Zimbres
Artigo publicado originalmente no Brasil 247