A cobertura criminosa da tragédia por Mauro Carrara
Em 68 anos de vida, e muitas décadas de jornalismo pelo mundo afora, jamais
havia testemunhado cobertura tão politizada (e vergonhosa) de uma tragédia. O
caso do vôo 3054 deverá, no futuro, servir aos professores de comunicação como
uma anti-receita de conduta em casos dessa natureza.
Até agora estou estarrecido com a edição maquiavélica do Jornal Nacional, na
noite de 18 de Julho. A dor e o desespero das famílias foram transformados em
uma peça de propaganda eleitoral. Apresentou-se a comoção, a "prova" sugerida e
o "culpado" por tudo.
Ultimamente, sempre que há mutreta e grave manipulação dos humores
nacionais, verifica-se sempre a participação de um mestre oculto: o Sr. Ali
Kamel, poderoso demiurgo das sombras a serviço das Organizações Globo. Na
revista Veja e no jornal O Globo, esse homem de comunicação foi adestrado para a
função que hoje executa com inegável competência: instaurar a desconfiança e
destruir imagens públicas.
Na quarta-feira, ainda que sobrassem indícios de que o acidente não tinha
sido causado por problemas na pista de Congonhas, todos os telejornais da Globo
insistiram na teoria. Depoimentos dissonantes, como o do professor Duarte, da
UFRJ, foram grosseiramente limados, desemoldurados, para quem não fossem
compreendidos e assimilados pelo público.
A edição do Jornal Nacional de 18/07/2007 deve ser gravada e guardada. Em
termos de distorção nada fica a dever àquela que reproduziu seletivamente
trechos do último debate eleitoral de 1989. Mostrou gente desesperada, e
arrancou lágrimas, até deste jornalista acostumado a ver o sofrimento humano. Em
seguida, rumou para Brasília, a indicar solenemente o "culpado".
Num trecho hard-core colocou na tela, como inquisidores impolutos, o rei
das menininhas do Amazonas, senador Arthur Virgílio, e o sai-de-finho Raul
Jungmann, que até agora não explicou a história do desvio dos R$ 33 milhões no
Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Não estranhamente, o Jornal Nacional de Ali Kamel desconsiderou duas
entrevistas fundamentais à compreensão das causas do acidente: uma do presidente
da TAM, Marco Bologna, e outra do superintendente de engenharia da infraero,
Armando Schneider Filho. Motivo evidente: ambos descartaram a ausência do
grooving como causa do acidente.
No momento da exibição do Jornal Nacional, o planeta bem informado já
sabia de outros detalhes fundamentais à explicação da tragédia. O avião havia
percorrido a pista numa velocidade quatro vezes maior que o padrão na
aterrissagem. Meu sobrinho me disse que seria como se alguém entrasse a 100 km/h
no drive-thru do Habib’s. O assunto também foi ignorado pelo JN. E por quê?
Porque provocava fissuras no denso muro da tese vigente.
Logo depois da tragédia, a Rede Globo de Televisão expediu seu "parecer
técnico" determinando a causa da tragédia: a ausência das ranhuras na pista.
Segundo esse raciocínio, a responsabilidade seria da Infraero e, por tabela, do
Governo Federal. Conclusão final da Rede Globo e de Ali Kamel, repassada
insistentemente a todos os brasileiros: Lula matara 200 pessoas!
Como referência de informação, a Rede Globo contaminou o resto da
cobertura, influenciando todas as concorrentes e oferecendo munição a todos os
articulistas anti-governo, de Norte a Sul do Brasil. De Daniel Piza, do Estadão,
a Eliane Cantanhêde, da Folha de S. Paulo, todos se puseram a incriminar o
Governo Federal.
A bola de neve, ou de fogo, inflamou internautas em todo o País, e não
somente estes, posto que gente na rua repetia nos pontos de ônibus e nos botecos
a tese do "grooving" e do Lula assassino.
Causa mais estranheza a rapidez com que a Rede Globo montou seu discurso
acusador, logo convertido em "reconstituições por computador" que indicavam uma
suposta derrapagem. Foi rapidíssima no gatilho e evitou que qualquer outra
hipótese ganhasse força.
Durante dois dias, pouca gente questionou essa teoria. Quem já pousou em
Congonhas sabe que uma "derrapagem" não levaria o avião para o outro lado da
Avenida Washington Luís.
A Rede Globo de Televisão, de Ali Kamel, construiu, portanto,
aproveitando-se da tragédia, uma poderosa peça publicitária eleitoral.
Manipulou, distorceu, comoveu e incitou o ódio contra o Presidente da República.
Por vezes, sutilmente; por vezes, com agressividade.
Cabe ao povo brasileiro decidir, na próxima renovação de concessão, de
que maneira se pode coibir a utilização do corredor público de ondas para fins
eleitoreiros, ou golpistas.
* Incrível é que William Bonner, com seu pragmatismo bonachão, aparentemente
não percebeu nada disso.
Fonte: Novae