A Feira Preta: Entre a Celebração da Resistência e o Sussurro das Ausências. Por Walmir França
A Feira Preta consolida-se, ano após ano, como um dos mais importantes epicentros da economia, cultura e sociabilidade negra no Brasil. Sua merecida fama é fruto de uma trajetória de resistência e afirmação. Foi nesse contexto de celebração que vivenciei uma tarde agradabilíssima no evento, em frente ao Mercado Modelo. O reencontro com amigos de longa data, em um ambiente tão familiar, reforçou o caráter afetivo e comunitário da ocasião. Paralelamente, a energia contagiante dos empreendedores, exibindo com orgulho seus produtos, era um testemunho vivo da força e da criatividade do nosso povo, transformando o local em um palco vibrante de potência econômica negra.
No entanto, mesmo imerso nessa atmosfera de aparente plenitude, uma ausência específica insistentemente se fazia notar: a representação de algumas organizações históricas do movimento negro. A feira, embora pulsante com a presença massiva de “nossos iguais”, parecia esvaziada de certas vozes críticas e militantes que são parte fundamental do tecido dessa comunidade. Essa lacuna levanta um questionamento pertinente: sua exclusão foi um ato deliberado? A hipótese que se impõe é a de que talvez tenham pesado questões políticas, uma vez que a prefeitura assumiu a gestão do processo. É um cenário conhecido: a institucionalização de eventos originários da sociedade civil frequentemente conduz a um esvaziamento de seu caráter reivindicatório, privilegiando uma narrativa de celebração inócua em detrimento do debate e do protesto.
Se confirmada, tal atitude configura um retrocesso profundo e paradoxal. Um evento que nasceu para ser um espaço de total representatividade da população negra não pode, em sua versão oficial, silenciar justamente os agentes que forjaram os caminhos para a sua própria existência. A presença do povo preto, em sua pluralidade — como consumidores e pequenos empresários —, é inegavelmente vital. Contudo, essa presença não pode ofuscar ou substituir a necessária vocalização política proporcionada pelas organizações do movimento. A força econômica e a expressão cultural devem caminhar de mãos dadas com a consciência crítica e a luta por direitos; são facetas de uma mesma joia, que não pode ser fragmentada.
Auêto Sambangola!

Obrigada por me manter informada.