A MTV soube morrer por Victor Martins
Era moleque e, como a maioria da galera da minha sala, esperava todo santo junho ou julho não só pelas férias. É que era época de Rockgol, e às 23h era hora de rir.
A inteligência fora do comum de Paulo Bonfá e Marco Bianchi para narrar um campeonato de cantores renomados e anônimos era igual à perspicácia de colocar no mesmo patamar os renomados e os anônimos que lançavam seus primeiros clipes. Passou o tempo, e como, e quantos de todos nós até hoje não olham para Toni Garrido como a Chiliquenta ou guardam apelidos como Max Telefone de Contato, a Goleira de Handebol, a Musa Nissei Sansei, Rufus, Juninho Papito, Nhanha, e muitos outros, e Cléston. Clééééston. O cara que adotou o apelido como nome para a carreira.
A MTV era nosso reflexo na TV, o meio de comunicação mais moderno a que a gente tinha acesso até então. Era nossa língua, a música da rádio em imagens, a informação sobre os shows, os acústicos e os luaus, os programas especiais para estações do ano, o sexo falado na madrugada sobre uma cama redonda. Era Astrid, Cuca, Gastão, Sabrina, Marina, Cazé, Massari, Chris Couto, Chris Nicklas, Soninha (aquela, sim) e Zeca na primeira leva, que se seguiu com louvor com Didi, Mion, Fernanda, Sarah, Cicarelli, Luiza, Penélope e Léo Madeira e outros.
A TV que era a semelhança do jovem pedia para desligar o aparelho em prol do livro e ousou num país atrasado mostrar um beijo entre iguais. Prima pobre, abusava do cromaqui e dos efeitos toscos para levar um programa simples ao ar, usava o mesmo cenário para várias atrações, importou a lista dos dez mais votados em um programa de uma hora e apresentou nomenclaturas e tendências. Era Teleguiado, Supernova, Disk, Mochilão, as propagandas/ calhaus feitas em desenho, e era de fudêncio, didiabólico, de chapar o coco, e se não pagavam sapo, ao menos beijavam, cool, Beavis, aquele primeiro garoto que dava enxaqueca.
Mas de um bom tempo pra cá, a coisa desandou, e foram poucos aqueles que se mantiveram fieis. O UHF e a parabólica deram lugar ao cabo, e tem cabo com tanto canal que nem tem a MTV. A queda também se junta ao crescimento absurdo da internet e das redes sociais. Junta tudo: quem queria clipe antes passou a achar fácil num digitar de YouTube; programa entre casais do mesmo sexo caiu em desuso; e, principalmente, a utopia da diferença se foi. Perdida na gestão, a emissora se viu obrigada a dar números e audiência perdendo suas raízes e sendo mais do que se via nas concorrentes. Já desmilinguida, buscou sobrevida na vertente do humor e trouxe Adnet, Tatá, Paulinho, Bento, Dani Calabresa e até Thunderbird de volta. A última tentativa foi resgatar Hermes e Renato, justamente a última grande atração antes do início da derrocada. Já era tarde.
Enquanto pôde, a MTV se desdobrou para esconder que estava doente. Mas quando assumiu o estado terminal, respirou e preferiu viver. Preferiu reviver. Chamou quem fez parte dela e conseguiu divertir e se divertir, do jeito daquela velha boa e grande MTV, a MTV que cresceu junto com a gente. A MTV debochou de si mesma, cutucou os defeitos, lembrou os momentos históricos e buscou os arquivos pessoais dos ex-apresentadores para transformá-los em programas geniais. No clima de nostalgia, a MTV conseguiu inovar e apresentar a melhor programação da TV nos últimos meses. My-MTV. Our-MTV.
My-MTV foi em 2005 ou 2006. Dois Rodrigos e eu fomos participar do Neura MTV, uma competição com um trio de amigas nossas à época. Na última pergunta, estávamos perdendo e precisávamos responder certo e bater rápido a sirene para ganhar. A questão não era muito fácil, virei aos colegas e disse que ia simular o movimento de acionar o botão para elas fazerem o mesmo e tentarmos ganhar com a pontuação do provável erro delas. Foi o que aconteceu, e aos sagazes vencedores, um lustre. Para os padrões MTV, sempre moderninho. Nada muito funcional, mas está na sala de casa desde então.
A MTV faz o último Furo agora à noite. Por meio de Thunder, iniciou seu discurso derradeiro. Admitiu que a tentativa de sempre se renovar acabou sendo seu veneno fatal. Depois, Bento disse que o fim da MTV na verdade se trata da perda total de relevância para a televisão. Nos minutos finais da última atração, aloprou sobre os escombros os que estão por vir na nova passagem e previu o futuro dos que estão “na mesma merda”. Em meio à festa e às fotos, deixou um computador ligado com o Twitter liberado para qualquer um postar trechos do epitáfio. E foi para o último show, ainda que não seja o melhor deles, mas se preparou para ele de forma honrosa. A #saideiramtvbrasil não precisa chegar aos TT’s. A MTV se saiu bem, saiu melhor ainda, saiu como nasceu, marcante e jovem.
20 e poucos anos depois, a MTV morreu dignamente. A MTV soube morrer.
Texto originalmente publicado no blog de Victor Martins