A nocividade da mão branca nos processos históricosda comunidade negra. Por Raimundo Bujão
Sou _Raimundo Gonçalves dos Santos Bujão_, ativista do MNU e do Fórum de Entidades Negras, além de dirigente do PT de Salvador.
Ao tomar conhecimento do artigo “O desastre do PT na Escolha da Candidatura de Salvador”, publicado no JORNAL247, sustentado por heroínas e heróis da comunicação brasileira, que lutam bravamente contra a mídia monopolista, golpista, racista e neofascista, não poderia deixar de me contrapor, pois ele vem recheado de inverdade e ressentimento, típicos do papel do branco quando tentam se inserir na comunidade negra, lembro até que já falei sobre isso em algum momento.
Falo com a autoridade de quem, com todo empenho, participou com outras companheiras e companheiros da criação da Campanha “EUQUEROELA, Salvador Cidade Negra”, articulada a partir da Bancada do Feijão, resenha das terças-feiras que acontece no Pelourinho, no Bar e Restaurante de Alaíde do Feijão. Originalmente, esse mantra “EUQUEROELA”, surge em 2006, numa das muitas canções do bloco afro Ilê Aiyê, cujo tema para o Carnaval do referido ano foi “O Negro e o Poder”, ressaltando a importância desta cidade, com maioria da população negra, aproximadamente 85%, nunca ter conquistado a representação da gestão por uma mulher ou um homem negro, exceto os oito meses do professor Edvaldo Brito, na década de 70, colocado bionicamente na Ditadura Militar.
No dia 2 de julho de 2019, data da Independência da Bahia, o Fórum de Entidades Negras da Bahia, em parceria com a Bancada do Feijão e o apoio exclusivo do vereador Moisés Rocha e o recém-empossado naquele ano deputado Jacó, lançou a campanha EUQUEROELA. O FENEBA foi fundado no ano 2000, por um conjunto de blocos afro e entidades do Movimento Negro, com o objetivo de fortalecer a luta contra o racismo na Bahia, bem como o fortalecimento do segmento destes blocos no Carnaval da Bahia, diante das dificuldades que enfrentam para desenvolver suas atividades pré e carnavalesca.
Ao formatarmos a campanha, entendemos que o que determina a indicação dos candidatos e candidatas para as eleições são os Partidos, logo o objetivo principal foi acertadamente sensibilizar ou constranger as direções partidárias da importância de indicar mulheres e homens negros para serem prefeita ou prefeito da cidade, e não mais apenas vices, vide a experiência da Dra. Célia Sacramento. Inicialmente vários dirigentes reagiram negativamente, mas a proposta foi ganhando corpo na cidade. Quero abrir um parêntese para agradecer a vários articulistas das redes sociais e às editorias de política dos jornais A TARDE e Tribuna da Bahia pelo importante apoio.
A primeira pessoa a colocar o nome à disposição foi o vereador Moisés Rocha, o que para o PT parecia indiferente. À época o desejo da direção do Partido estava voltado para o nome do presidente do Esporte Clube Bahia, mesmo sem jamais ter ocorrido uma conversa por parte das lideranças do PT sobre a campanha, que tem na sua direção um número significativo de militantes. Para nós, da Bancada do Feijão, que temos a participação de torcedores do Bahia e do Vitória, também o nome do presidente do Bahia, pelo seu histórico, contrariava o nosso objetivo.
Seguimos a nossa peregrinação, realizamos seminários e palestras, e a campanha EUQUEROELA ganhou repercussão nacional, desenvolveu-se paralelamente à disputa do PED (Processo de Eleições Direta do PT), o debate foi ficando intenso, e o que nos surpreendia era o fato de as articulações em torno da sucessão municipal, tanto da direita como da esquerda, não levarem esse dado novo em consideração. A ascensão veio com o nome de Vovô (Antônio Carlos dos Santos), do Ilê Aiyê, seguido por Magno Lavigne, Silvio Humberto, Valmir Assunção, depois Fabya Reis.
Os comunistas apresentaram o nome da deputada estadual Olívia Santana. Dentro do PT, àquela altura, o debate em torno do PED era se o PT teria ou não candidatura própria, pois o nome do presidente do Bahia já não pontuava bem nas pesquisas. É de extrema importância relatar que o Coletivo 2 de Julho, que defendeu entre outros grupos a candidatura de Vilma Reis, apoiou no PED a chapa do presidente do Bahia, que acabou desistindo diante da resistência de boa parte da militância do PT e do Movimento Negro que coordena a campanha EUQUEROELA.
Então, a historiadora de São Paulo, em vez de nos rotular como violentos e supremacia branca e falar de nós sem nunca ter pisado os pés em nenhuma atividade do PT, precisa saber que Vilma Reis só pôde disputar a indicação de pré-candidata porque nós derrotamos a chapa que ela apoiou junto com o 2 de Julho.
A intelectual de São Paulo também não sabe que a maioria esmagadora da chapa municipal que ganhou o PED – que tem como responsabilidades a gestão do partido na cidade e o processo eleitoral -, é constituído na sua maioria por homens e mulheres negrxs, o que torna leviano, beirando o mau-caratismo, rotular do seu confortável lugar de historiadora narrar sobre um processo que desconhece, na exacerbação da sua branquitude, que fez questão de ilustrar, como descendente de italiana, de São Paulo, achando-se no direito, sem o pertencimento, de tentar desqualificar um processo rico e inovador que foi desencadeado na cidade e repercutiu positivamente dentro do PT Municipal.
Surpreende ainda que uma mulher branca dotada de todo o privilégio dessa sociedade racista e machista, que se diz feminista, se comporte de tal maneira diante de uma mulher, negra, psicóloga, que desenvolveu sua dissertação de mestrado com o tema “Branco Correndo é Atleta, Preto Correndo é Ladrão”, questionando a forma abusiva como seus colegas abordam nós, homens e mulheres negras, colocando em xeque a reputação de um exemplo de vitória de uma lutadora das muitas que existem e são invisibilizadas.
É preciso mais respeito com a nossa história, com a Bahia e Salvador, temos a fama e somos hospitaleiros, mas é triste ver uma pessoa de fora querendo melar nossos processos históricos. Foi assim na Revolta dos Búzios, negros foram mortos e esquartejados, e os brancos “aliados” continuam até hoje achando que podem tudo. Foi assim no filme “Queimada”, com Marlon Brando, que narra o ciclo do açúcar no Caribe na época da escravidão. Basta de racismo! EUQUEROELA.
Raimundo Gonçalves dos Santos é Bacharel em Filosofia pela UCSAL, assessor parlamentar na ALBA, integrante da Comissão Coordenadora da AMI, ativista do MNU e Fórum de Entidades Negras, integrante da Bancada do Feijão.
