A Engenharia Econômico-Industrial do Documentário “A conspiração da Lâmpada Elétrica”. Por Rilton Primo
O documentário The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da Lâmpada Elétrica), escrito e dirigido por Cosima Dannoritzer e produzido em 2010 pela Media 3.14 Article Z em co-produção com a Arte France, Televisión Española e Televisió de Cataluña (ficha técnica ao fim do texto), é uma primeira aproximação
ao caso do oligopólio das lâmpadas. O vídeo não deixa de frisar que é genérico aos demais oligopólios que afetam cada um de nós e a sociedade como um todo, sendo urgente repisarmos o tema face aos rumores de guerra.
A Obsolescência Planejada como regra, não como exceção dos diferentes setores da indústria, está registrada nos anais da história ao menos desde as “fancarias extras” vendidas na Alemanha a fins do século XIX, produtos de qualidade inferior, muitas vezes descartáveis, à competitividade espúria. Argumentou-se ainda ontem que sem o consumo não haveria oferta ou crescimento etc. mas é uma mentira contábil, uma fraude econômica e civilizatória. O vídeo não explica isto de modo explícito, nem seria necessário, dado ser compreensão tecnológica e comportamental relativamente antiga, pelo que fica aqui composta apenas uma digressão sobre o vídeo, em termos de engenharia econômico-industrial.
O ponto de partida elementar é o de que, sem a engenharia da obsolescência, haveria mais recursos em poder dos compradores, para outras necessidades que não a de reposição dos produtos pelos quais já pagou. Os recursos materiais e humanos alocados nos setores pelos quais as demandas já estariam sendo satisfeitas no curto e médio prazos passariam para os setores onde existem demandas potenciais reprimidas, de forma infinita, conforme os gradientes de realização das necessidades de consumo e desenvolvimento dos seres humanos atuais e os de todas as gerações futuras, desagravando os recursos naturais usados para repor bens com ciclo de vida útil propositadamente encurtados. Haveria um florescimento de novos setores, produtos e serviços que não são e não serão oferecidos nem usufruídos, devido à engenharia da obsolescência e semelhantes estratagemas economicamente pervertidos como a subutilização da capacidade instalada (hiato de produção) e a sub-formação bruta de capital fixo e tecnológico ou, ainda, o propositalmente lento avanço da produtividade, com o propósito de conter a oferta e elevar os preços intermediários e finais artificialmente. São táticas medievais, de quando se proibia produzir.
A segunda ordem de observações, que dá uma ideia geral dos contornos civilizatórios do problema, é a de que sobretudo os bens superiores (aqueles cujo consumo gera cada vez mais consumo, como cultura, arte, música, literatura, filosofia e ciência etc.) são, pela engenharia da obsolescência etc., subtraídos pelos bens normais e inferiores. É barbarizante.
Conforme a teoria econômica, os bens normais são os cujo consumo se eleva com a elevação da renda, mas gera saciedade decrescente, após certo limite de dispêndio, a cada nova aquisição, ou com uma única aquisição, como os bens duráveis e semi-duráveis, eletroeletrônicos, mobília, vestuário, alimentos e bebidas, bens de uso corrente e serviços de boa e excelente qualidade, em geral objetos de obsolescência planejada e estratégias correlatas.
Os bens inferiores são os cuja demanda decresce ou, em muitos casos, cessa ou tem uma queda abrupta, quando o poder aquisitivo se eleva, a partir de um patamar abaixo do padrão de consumo das faixas de renda consideradas médias, como os bens de má qualidade, seminovos ou reparados, cursos de pouca utilidade, bens altamente frágeis ou não duráveis, danosos à saúde etc., todos em geral mais baratos, porém com altas externalidades, danos e efeitos colaterais, em geral objetos de obsolescência planejada marginal ou levada aos limites máximos da fragilidade, que se deterioram com impressionante rapidez, como roupas, sapatos e utensílios em geral, eletroeletrônicos ou não, das piores espécies.
Este é um dos principais aspectos corrigidos pelos modos de produção não voltados para os ganhos destrutivos dos oligopólios. Resta saber mais precisamente como os estudos sobre sistemas econômicos comparados têm sido menos demandados com o alastramento das “mãos invisíveis” destes que Celso Furtado chamou de “os campeões dos mercados”.
Existem outras curiosas classificações dos bens e serviços, indiretamente tratados no documentário, como os chamados “Bens Veblen” ou “Bens Ostentação”, pelos quais os consumidores buscam evidenciar seu status a outras pessoas, usufruindo de mercadorias cujo preço é elevado relativamente a suas substitutas. Neste caso, incluem-se as nas quais a engenharia da obsolescência é menos incidente, como mobílias feitas com madeiras de lei e todo e qualquer bem de luxo e/ou de tecnologia ponta, se têm maior durabilidade. Estão aqui também incluídos os bens e serviços de alto padrão, alimentos e bebidas especiais que são caros mas trazem benefícios à saúde, difíceis de ser reproduzidos etc. As classes de renda emergentes demandam por estes tipos de mercadorias de forma crescente, mas há bens parecidos com efeito de demanda contrário, os chamados bens de “efeito snob”. Nesta segunda classificação complementar, os demandantes cessam de desejar o bem ou serviço caso eles se popularizem, com o propósito de distinguir-se dos demais consumidores, prática esnobe indiferentemente à questão de eles serem duráveis ou não, importando mais que sejam usos exclusivos ou restritos à elite à qual pretenda identificar-se, como os bens da alta-costura, shows únicos e caros, hotéis e restaurantes com preços proibitivos às classes médias.
Por imitação dos consumidores esnobes, em regra nascem uma série de modas de segundas e terceiras classes de rendas, com efeito todavia contrário, elevando-se mimeticamente a demanda por bens e serviços que são crescentemente demandados (chamado de efeito bandwagon), como bens “duráveis” de marcas de segunda linha, e aqui a engenharia da obsolescência pode incidir mais fortemente, até porque a demanda não é funcional ou útil, mas de Veblen ou pró-snob, caracterizando as pessoas afetadas pelo “efeito demonstração” das camadas de renda cujos padrões de despesa não pode equiparar, apenas tentar imitar, até a custo de dívidas ou despesas inconsistentes com seu status econômico real. Esta anomalia foi classificada, quando relacionada ao status administrativo ou do cargo que a vítima passou a ocupar, como “efeito Peter”.
Um dos comportamentos mais reles na literatura econômica, ao menos desde o Teoria dos Sentimentos Morais, de Adam Smith, publicado em 1759, é este do consumidor de baixo status econômico, às vezes elevado a posições sociais ou hierárquicas distinguidas, que tende a equiparar seus padrões de consumo aos dos que têm um nível de renda inclusive muito superior. Há inclusive produtos que se prestam, desde o design, a suas cenas, até a um único uso cerimonial em que não poderia repeti-los discretamente, como trajes finos. Daí vêm alugueis e falsificações, bebidas, óculos e relógios piratas, clones de softwares, engenharias reversas, fakes em que a preocupação com o ciclo de vida, a utilidade funcional, o bem à saúde, o impacto ambiental, tudo enfim, se subordina à aparência do consumo perene de algo durável; esnobismo e ostentação fictícos, são ciclos de vida curtíssimos.
Não há novidades neste terreno faz séculos, e a combinação da engenharia da obsolescência com os efeitos Veblen, Snob e outros, já faziam parte do instrumental dos oligopólios desde as maiores convulsões do século XX, no rescaldo das duas mais importantes espécies de obsolescência planejada, 1) a tecnológica e 2) a destruição física (guerras, cataclismas etc.) feitas negócios, presididas à trilogia produção, obsolescência e reposição, sem tréguas, sem rédeas, até a escala da hecatombe, holocausto e catástrofe ambiental anunciados.
Será que a obsolescência do modo de produção inteiro já aconteceu e não fomos adequadamente avisados nos rótulos, manuais de instruções e códigos de defesa do consumidor?
Ficha Técnica:
- Título Original:
- Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=roPG_KSnDxs
- Duração: 52′:49”;
- Ano: 2010;
- Texto e direção: Cosima Dannoritzer;
- Produção: Media 3.14 Article Z em co-produção com a Arte France (Unité, Actualité, Société et Geopolitique, nas pessoas de Alex Szalat e Marie Girod), Televisión Española (nas pessoas de Pere Roca e Andrés Luque) e pela Televisió de Cataluña (nas pessoas de Joan Salvat e Mutsa Tarres).
Indicações de leitura:
Rilton Gonçalo B. Primo é Economista e Consultor do CEALA