A quem serve a ideia de caos ou “terra arrasada”? O fascismo nos espreita! – Por Afrânio Silva Jardim
Acho que o delicado momento atual está a exigir uma maior sensibilidade de todos nós que estamos incluídos no chamado “pensamento de esquerda”. Não podemos supervalorizar as nossas mazelas institucionais de modo a dar pretextos para intervenções autoritárias em nosso país.
Como teria dito o grande poeta Bertold Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
Não se trata de incentivar posturas omissivas ou complacentes com as degradações políticas, jurídicas e econômicas que predominam em nossa sociedade atual. Não se cuida sequer de amainar o indispensável espírito crítico que deve nos conduzir permanentemente.
Se bem observarmos, também agora as posições extremadas acabam se “encontrando”, como aconteceu no período que antecedeu o golpe militar de 1964. Forças radicais de esquerda e da direita, com propósitos diversos, acabaram criando um clima de insegurança, de ebulição social e ceticismo que serviu de “pano de fundo” para a draconiana intervenção militar. O presidente Salvador Allende, no Chile, também foi prejudicado por forças ideológicas radicais opostas.
O chamado “esquerdismo” inconsequente, expressão cunhada por Lênin, acaba contribuindo para retrocessos danosos no desenvolvimento social.
Desta forma, parece-nos prudente que não apostemos no caos e não criemos uma falsa impressão de que o país está à deriva.
Não vamos “fazer o jogo” da nossa grande imprensa, que busca sistematicamente desmoralizar a política e os poderes constituídos da nossa República. Agora a tônica é a desmoralização do Poder Judiciário e o incentivo às grandes crises institucionais.
Precisamos ser inteligentes e hábeis para não ajudarmos na criação de condições concretas, que venham levar à derrocada do nosso sistema democrático.
Embora de conotação burguesa e reprodutor de uma sociedade de classes, este sistema não deixa de ser um “espaço” para um trabalho político de conscientização popular relevante. Ruim com esta democracia elitista e abstrata, pior sem ela …
Estou legitimado a fazer a advertência supra, porque sempre fui e serei um crítico de como estão atuando as nossas principais instituições na atualidade.
Entretanto, a crítica deve ser “tópica”, construtiva e estratégica. Deve ser uma crítica “política”, que faça parte de um processo de conscientização, e não uma crítica generalizada, radical, que crie um pensamento geral de que nada mais dará certo e que precisamos de intervenções autoritárias para “nos salvarem”.
Vamos “apostar” nas eleições gerais do próximo ano, que serão bem mais “limpas” do que as anteriores e, voltando ao poder as forças de esquerda, em uma espécie de frente ampla, deverão estas investir em uma educação massiva e crítica, bem como na indispensável democratização da nossa maligna imprensa, na democratização dos nossos meios de comunicação de massa.
Por ora, não há outra opção. As transformações estruturais, em nossa economia, devem ser implementadas de forma paulatina e sustentável, embora uma maior distribuição da renda deva ser imediata.
Cabe salientar que não sou um “reformista”, como se dizia no passado recente, mas um “radical consequente”. Sem habilidade política, não se avança socialmente.
Não sou cientista político, mas ouso opinar sobre a nossa atual e precária estabilidade política.
Acho que a garantia da não intervenção militar nas sociedades modernas depende, principalmente, de um relevante fator: o pluralismo ideológico das forças armadas.
Julgo que o pensamento uníssono é sempre perigoso, mormente em se tratando de um segmento social armado e com formação muito especializada ou técnica.
Precisamos de generais com distintos matizes de pensamento, de modo que se crie entre eles uma espécie de controle interno, ou seja, de um mecanismo de controle chamado de “freios e contrapesos”.
Esta diversidade estimula um pensamento mais crítico e, por conseguinte, mais tolerante com a complexidade própria dos fenômenos sociais.
Seria útil que a diversidade de pensamento existente na sociedade civil se refletisse também nas forças armadas. O pensamento plural e, por isso mais democrático, faria com que o povo se sentisse nelas “representado” e, por elas, o sistema político e jurídico realmente respeitado.
Aliás, a pluralidade democrática é importante em toda a sociedade, principalmente na grande imprensa, que tem grande eficácia na formação de opinião de uma determinada população.
Por tudo isso, no plano jurídico, o delicado momento político atual, acima comentado, exige uma postura legalista. Tomando emprestada uma expressão do antigo e relevante Direito Alternativo, julgo conveniente uma provisória opção pelo chamado “positivismo jurídico de combate”.
Temos de prestigiar a Constituição de 1988 e combater o chamado “ativismo” do Poder Judiciário, não mais confiável. Manter o que já foi conquistado passou a ser “um avanço”.
Tudo isso é lamentável, mas é a nossa realidade. Na atualidade, devemos nos esforçar para mudar este Congresso nas próximas eleições e acumular forças para pensar em transformações sociais mais radicais no futuro, a médio prazo.
Julgo que a nossa luta deve ser em prol do Estado Democrático de Direito, que nos dá “espaço” para um competente “trabalho político” junto às massas populares, buscando a tomada de consciência de processo de exploração a que estão submetidas.
Vale a pena repetir: não se trata de abdicar da luta por justiça social, por uma sociedade mais justa, onde exista vida digna para todos. Não estamos flexibilizando os princípios teóricos e práticos que justificaram os processos revolucionários ao longo de nossos últimos séculos. Cuida-se de, através da educação e da cultura, trazer a população “para o nosso lado”, criando as chamadas condições objetivas para avanços sociais mais ousados.
Com apoio efetivo do povo, quem sabe possamos alcançar a necessária e efetiva justiça social sem grandes traumas, sem grandes rupturas em nossos sistemas político e jurídico. O importante é não esquecer que o ser humano há de ser sempre o “centro de tudo”. Será que, no futuro, poderemos pensar em um socialismo real que seja democrático e humanista? Entendo que isto depende da disseminação de uma cultura e conhecimento libertadores.
As categorias marxistas podem ser consideradas como uma verdadeira “lente de aumento”, que nos habilita a ver, mais claramente, aquilo que se encontra oculto, aquilo que está por trás das aparentes verdades disseminadas pelas classes privilegiadas de uma sociedade, mediante dissimulações de sua imprensa.
Dizendo de outra maneira:
O método dialético materialista e as categorias marxistas são instrumentos teóricos, adequados e pertinentes, que nos habilitam a compreender melhor o que se oculta por trás da estrutura de uma sociedade dividida em classes, o que nem sempre é percebido por aqueles que têm uma consciência ingênua ou absorveram ideologia desta classe privilegiada.
Ainda, de outra forma, mais resumida:
A consciência crítica nos permite ver o que está por trás de uma falsa realidade, que jamais é percebida pelas chamadas consciências ingênuas.
Imagem Ilustrativa do Post: German chaos … // Foto de: Dennis Skley // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dskley/8105548569
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Afrânio Silva Jardim é Professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.
Artigo publicado originalmente em http://emporiododireito.com.br/leitura/a-quem-serve-a-ideia-de-caos-ou-terra-arrasada-o-fascismo-nos-espreita-por-afranio-silva-jardim