A voz das vítimas quem a escutará? por Leonardo Boff
Os
192 chefes de estado ou de governo deverão se reunir nos dias 1, 2 e 3 de junho
em Nova Yorque convocados pela ONU para discutirem a crise econômico-financeira
e seus impactos sobre os diferentes países, especialmente sobre os pobres.
Para
prepará-la, o Presidente da Assembleia Miguel ‘Escoto Brockmann, ex-chanceler
da Nicarágua, criou uma Comissão para a Reforma do Sistema Financeiro e
Monetário Internacional constituída por 20 celebridades da economia e da
politica sob a coordenação do prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz.
Os resultados já foram entregues e sabe-se mais ou menos os conteúdos
principais. Como arco teórico, ético e humanístico que deve inspirar as novas
medidas concretas é sugerida uma Declaração Universal do Bem Comum da
Humanidade e da Terra, tarefa difícil de ser realizada por falta de tradição
jurídica e social nesta área. Em seguida, se recomenda a criação de um Conselho
Mundial de Coordenação Econômica, paralelo ao Conselho de Segurança, desdobrado
em duas autoridades mundiais, uma que cuida da regulação financeira e a outra
da concorrência na economia. Sugere-se uma reforma das instituições de Bretton
Woods (FMI e Banco Mundial) e uma regionalização das instituições financeiras
que apoiam os processos de desenvolvimento. Pede-se ainda que, uma vez ao ano,
os chefes de estado ou de governo de todo o mundo se encontrem para discutir o
estado da Terra e da Humanidade e tomar medidas coletivas.
O grande temor é que esta reunião mundial seja esvaziada pelas pressões dos
principais membros do G-20, enviando apenas representantes diplomáticos ou
ministros. Por detrás destas pressões estão duas maneiras diferentes de
enfrentar a crise atual.
Uma é a do G-20 que se reuniu em Londres em abril. Fundamentalmente se propõe
salvar o sistema econômico-financeiro imperante para que, no fundo, tudo
funcione como antes, com certos controles mas com níveis razoáveis de
crescimento, mesmo sacrificando o equilíbrio da Terra e perpetuando o
escandaloso fosso entre ricos e pobres. O propósito é o mesmo: como ganhar mais
com o mínimo de investimento, competindo no mercado e considerando o estresse
da natureza e a pobreza como externalidades.
A outra é dos grupos altermundistas, presentes em todos os estratos sociais do
mundo e, em parte, assumida pela Comissão da ONU. Trata-se de situar a crise
econômica no conjunto das demais crises: a energética, a alimentária, a do
aquecimento global, a da insustentabilidade do planeta (passamos em 40% a
capacidade de reposição dos recursos naturais) e a social e humanitária (quase
um bilhão de pessoas abaixo da linha da pobreza). Mais que salvar o sistema
trata-se de salvar a humanidade, a vida ameaçada e o planeta em estado caótico.
O propósito é como garantir o bem viver em harmonia com os outros e com a
natureza, produzindo conforme os seus ciclos, com equidade social e com
solidariedade generacional.
Sendo o problema global, as soluções devem ser bembém globais. O único órgão
glabal que existe é a ONU e é ela que deveria coordenar os esforços coletivos
de enfrentamento da crise e não o G-20. Este não possui delegação para
representar os demais 172 países, vítimas da crise global, cujas vozes não são
escutadas.
As crises não surgem em vão. Elas emergem daquela Energia de fundo, carrgada de
propósito, que comanda o universo, a Terra e cada um de nós e que está exigindo
um novo patamar de civilização, capaz de desenhar um outro futuro de esperança.
Face a esta gravíssima situação notam-se duas limitações: a primeira, é dos
economistas que, por ofício, tratam de economia mas possuem parca acumulação em
ecologia; por isso, como se vê em todas as partes, não incluem a natureza em
suas ponderações como se a Terra fosse inesgotável e estivesse em ordem, como
não está. A segunda é dos chefes de estado: depois de séculos de racionalismo e
de materialismo ficaram todos embotados. Não percebem as mensagens que o
universo e a Terra, como superorganismo vivo, lhes estão enviando no sentido de
uma transformação. Por sua falta de escuta, acontece o que dizia
Gramcsi:"o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer". E assim
perdemos a chance, das últimas, para um novo começo. E nos atolamos em nossas
próprias crises.
Leonardo Boff é autor de Ecologia, Mundialização e Espiritualidade,
Record 2009.