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No passado, o futuro era melhor por Frei Betto
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Comportamento
Seg, 07 de Janeiro de 2008 07:22
O QUE há de especial em trocar de ano? Nada, exceto a convenção numérica, invenção indo-arábica, que nos permite codificar o tempo em horas, minutos e segundos e estabelecer, segundo o movimento de nosso planeta em torno do Sol e as fases da Lua, calendários que repartem o tempo em ano de 12 meses, mês com cerca de 30 dias e dia com exatas 24 horas. Ocorre que não somos trilobitas, e sim humanos, dotados da capacidade de imprimir ao tempo caráter histórico e, à história, sentido. Mudar de ano é rito de passagem. Ressoa em nosso inconsciente o alívio por terminar um ano de tantos reveses, perdas, sofrimentos; e celebrar conquistas, avanços e vitórias. Vivemos premidos pelo mistério.

Como as partículas subatômicas, somos regidos pelo princípio da indeterminação. Essa impossibilidade de prever o futuro suscita angústia, o que nos induz a tentar decifrá-lo por via da leitura dos astros e das cartas, da sabedoria de videntes, dos búzios de pais e mães-de-santo, da rogação aos nossos santos protetores.

Esta é uma paradoxal característica da pós-modernidade: em plena era da emergência da física quântica e da falência do determinismo histórico como ideologia, acreditamos que o nosso futuro está escrito nas estrelas. Daí a inércia, a indignação imobilizadora, a impotência diante dos escândalos éticos e do descaramento com que corruptos são absolvidos por seus pares, essa letargia que em nada lembra o que se deveria comemorar neste ano: os 40 anos de Maio de 1968.

Nos países industrializados, Maio de 68 é o paradigma da rebeldia, o grito parado no ar enfim sonorizado nas manifestações estudantis, os EUA derrotados pelos vietnamitas, os Beatles reinventando a canção, a moda subvertendo parâmetros, as mulheres a conquistar o direito de se apaixonar pela primeira vez inúmeras vezes, a castração do machismo, a emergência esotérica.

Do lado sul do planeta, os anos de chumbo, os generais metendo no coldre as chaves dos Parlamentos, a utopia dependurada no pau-de-arara, as rotas do exílio se multiplicando, os mortos e desaparecidos enterrados nos arquivos secretos das Forças Armadas. Ainda assim, havia sonho, e não era motivado pela ingestão química, brotava da fome de liberdade e justiça, fomentava o desejo irrefreável a adjetivar de novo a criatividade incensurável -o cinema, a bossa, a literatura, o tropicalismo. No passado, o futuro era melhor.
Hoje, imersos nessa sociedade da hiperestetização da banalidade, na qual as imagens contraem o tempo e a "web" virtualiza o diálogo na solidão digital, andamos em busca de uma razão de viver. Perdemos o senso histórico, trocamos os vínculos de solidariedade pela conectividade eletrônica, vendemos a liberdade por um punhado de lentilhas em forma de segurança.

Em 2008, seremos chamados às urnas municipais. Haveremos de tentar discernir os idealistas dos arrivistas; os servidores públicos dos que se afogam no ego destilado na embriaguez dos aplausos; os movidos pela intransigência dos princípios éticos dos que miram os recursos do Estado como carniça fresca ofertada à sua gula insaciável.

Ano também de comemorar o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, para vergonha de nós, católicos, até hoje não mereceu a assinatura do Estado do Vaticano.
No Brasil, é hora de a declaração ser transferida do papel à realidade social. Em que pese a atuação corajosa da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, é impossível celebrar conquistas em direitos humanos enquanto a polícia estigmatiza como suposto traficante o morador de favela; o Judiciário promove a orgia compulsória ao trancafiar mulheres em celas repletas de homens; indígenas e quilombolas são condenados à miséria por descaso das autoridades; a frouxidão da lei cobre de imunidade corruptos e de impunidade bandidos e assassinos.

Não basta o propósito sincero de fazer novo em nossas vidas o ano de 2008. É preciso mais: fazer novas as realidades que nos cercam, de modo que ocorram mudanças efetivas e a paz floresça como fruto da justiça. Feliz 2008, Brasil!


CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto, 63, frade dominicano e escritor, é autor de, entre outras obras, "A arte de semear estrelas". Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).

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