Corrupção bolsonarista, capítulo 3. Por Conrado Hübner Mendes |
Dando o que Falar | |||
Dom, 26 de Junho de 2022 08:12 | |||
Todo governo corrupto pede ignorância, produz ignorância e depende da ignorância. Não há maior aliado da corrupção do que a ignorância. Não só a cultural e voluntária, efeito de falta de oportunidade educacional e do desinteresse pelo mundo e pelo outro. Mas também da institucionalmente forjada. A produção institucional da ignorância é política "pública" no governo Bolsonaro. Não é qualquer desvio localizado num ou noutro ministério, de um ou outro agente. Ela se fez o mais transversal programa de governo em vigor. Bolsonaro precisa que desconheçamos o país tanto quanto possível para que a corrupção seja insondável e infalível. A prática oficiosa combina três ações: fechar informação por meio de sigilo —o estado de sigilo; destruir ou deixar de construir informação— o apagão de dados; fabricar desinformação e catapultá-la por canais fora do escrutínio público para perturbar o juízo e os afetos. Três formas de supressão da esfera pública e manutenção da ignorância. Essa vasta "arcana imperii" bolsonarista pavimenta a corrupção. O tripé tornou-se abissal no governo Bolsonaro. Aqui um resumo. Razões jurídicas para o sigilo são razões extraordinárias e sujeitas a controle. Devem ser imprescindíveis à "segurança da sociedade e do Estado", segundo a Constituição. Bolsonaro as tornou ordinárias e isentas de fiscalização. Banalizou a exceção aqui também. Sigilos centenários foram impostos para: acesso ao Palácio do Planalto de filhos do presidente, lobistas de armas e advogado de Bolsonaro; carteira de vacinação do presidente; encontros de Bolsonaro com pastores lobistas do MEC; absolvição de Pazuello. Alegou-se "informação pessoal". "Em cem anos saberá", ironizou Bolsonaro quando perguntado. O governo também tomou iniciativas para restringir amplitude da Lei de Acesso à Informação e recusou publicidade a documentos sobre compra das vacinas Covaxin e Pfizer; encontro eventual do ex-ministro Sergio Moro com lobistas das armas; estudos sobre cloroquina; estudo da Fiocruz sobre uso de drogas; dados de desemprego; autuações e multas sobre crimes ambientais; documentos sobre as reformas administrativa e da previdência. Gastos recordes com cartão corporativo presidencial também foram postos em sigilo. Para viagens governamentais, R$ 1 a cada R$ 4 em diárias e passagens ficaram em sigilo. Em 2021, o gasto representou R$ 170 milhões. E até matrícula da filha do presidente em colégio militar, sem ter feito prova de admissão a que todos se submetem, virou sigiloso. Durante a pandemia, a batalha governamental contra a informação foi constante para dificultar a apuração do número de mortes e omissões da política sanitária. Um consórcio de imprensa foi montado para preencher o apagão governamental deliberado. Além de bloquear informações essenciais à investigação de corrupção e à avaliação do desempenho governamental, o governo também instiga desconfiança, desfinancia e assedia funcionários de instituições que produzem informação e conhecimento. O adiamento do Censo, pelo IBGE, o ataque aos dados de desmatamento do INPE, as remoções de dados do Censo Escolar e do Enem pelo Inep são outros exemplos manifestos. Conrado Hübner MendesProfessor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC Artigo publicado originalmente em Corrupção bolsonarista, capítulo 3 - 22/06/2022 - Conrado Hübner Mendes - Folha (uol.com.br)
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