Aldeia Nagô
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As metamorfoses de Reinaldo Azevedo. Por Julian Rodrigues

13 - 18 minutos de leituraModo Leitura
Julian_Rodrigues

Da libelu ao neoliberalismo, do antipetismo ao antibolsonarismo: a peculiar trajetória do Tio Rei

Por honestidade intelectual sinto-me compelido a abrir esse texto com uma confissão.

Assistir ao O é da Coisa, de Reinaldo Azevedo, transmitido pela Rádio Bandeirantes é para mim puro guilty pleasure. Trata-se provavelmente do melhor programa jornalístico do PIG (Partido da Imprensa Golpista – Paulo Henrique Amorim, presente!).

Reinaldo Azevedo é um quadro político preparado, formado dentro da tradição marxista e trotskista. Foi militante da quase lendária Libelu (Liberdade e Luta), tendência estudantil com epicentro na USP, criada em meados dos anos 1970, seção brasileira da Organização Socialista Internacionalista (OSI), atualmente na corrente petista “O Trabalho”.

Trata-se de uma tendência socialista e petista ligada à IV Internacional (aquela liderada pelo francês Pierre Lambert). Sabe-se que existiram e existem diferentes grupos mundo afora alinhados às distintas correntes do movimento trotskista. Em geral pouco expressivas a maior parte dessas organizações autoproclamaram-se nas últimas décadas como sendo as legítimas herdeiras e continuadoras da Quarta Internacional – aquela fundada por Leon Trotsky em 1938.

Leninistas, centralizados, organizados e geralmente pequeninos, os mais diferentes grupos trotskistas têm em comum o enorme esforço dedicado à formação política de seus quadros. Uma tendência histórica a continuo fracionamento, orgulhoso sectarismo mais a fragilidade orgânica da maioria dos grupos trotskistas em todo e qualquer tempo e lugar viraram lenda e senso comum. Tem inspirado décadas a fio toda uma tradição de piadas no campo da esquerda, uma mais outras menos razoáveis, digamos assim.

Resumidamente, no Brasil, as principais correntes trotskistas são as dos: morenistas (a ex-Convergência Socialista, hoje PSTU,) e o MES de Luciana Genro, a CST de Babá, e outras menores; lambertistas (O Trabalho é a mais relevante); mandelistas do SU – Secretariado Unificado (origem da tendência Democracia Socialista do PT) e muitos microgrupos mais, digamos, exóticos – como os posadistas (seguidores do argentino Juan Posadas, conhecidos por postular a existência de extraterrestres). (Reparem que fiz questão de ignorar aquela oportunista e esdrúxula liberal-trosca seita armamentista, particular propriedade do senhor RCP. Prudência e tino político aconselham-me a não escrever o que realmente penso sobre o PCO. Melhor manter a elegância, não xingar ninguém, não ajudá-los a ganhar clicks e, ademais, evitar contendas judiciais.)

Liberdade e luta

Chama a atenção quanta gente hoje importante passou pela Libelu (Liberdade e Luta). A caminhada dessa corrente foi registrada no imperdível documentário dirigido por Diógenes Muniz: Libelu – abaixo a ditadura”, de 2020.

Talvez seja possível agrupar os ex-Libelu em três grupos: (i) os que continuaram na tendência; (ii) os que foram para o campo majoritário do PT ou permaneceram na esquerda moderada, alguns como militantes partidários outros não; (iii) os que se transmutaram em liberais e/ou conservadores de diversas cepas. Seriam aproximações toscas, of course. Toda taxonomia é falha e arbitrária a priori. Quase nunca é possível ou eficaz operar com categorias rígidas, estanques – sobretudo se estamos a lidar com tantos e tão heterogêneas personalidades.

Mas, vamos lá. Na primeira turma – a dos que continuam do lado certo da história, ademais no mesmíssimo lugar – temos  Markus Sokol, Misa Boito e Júlio Turra (atual e tradicional trio dirigente da tendência petista O Trabalho).

É preciso mencionar o deslocamento de parte importante dos quadros de OT (O Trabalho) em direção ao campo majoritário e mais moderado do PT em meados dos anos 1980. Tornou-se lendária tal movimentação – maldosamente apelidada de “Sonrisal” – rotulada como uma dissolução. Isso porque ao invés de os quadros lambertistas executarem a conhecida tática do “entrismo”tentando influenciar os rumos da corrente majoritária do PT – ao contrário, terminaram muitos deles se incorporando à Articulação.

O plano era alojarem-se em postos-chave no interior da corrente mais influente do PT para tentar empurrar à esquerda suas formulações. Na política também atuam as leis da física e da biologia. Tais militantes acabaram por mudar de rota e optaram por aderir organicamente à corrente majoritária e “moderada” a mesma de Lula, dos cristãos da teologia da libertação, dos sindicalistas.

Fizeram assim Antonio Pallocci, Brani Kontic, Clara Ant, Ricardo Berzoini, Zé Américo, Jorge Branco, Antonio Donato, o saudoso Luis Gushiken – citando apenas alguns.

Em um segundo grupo podemos agrupar figuras públicas que continuam no campo progressista, embora não sejam mais militantes do PT. Curiosamente as e os mais destacados são jornalistas – todas/os com passagens pela redação do diário da Barão de Limeira como Laura Capriglione, Paulo Moreira Leite, Josimar Melo, Caio Tulio Costa e Ricardo Melo.

A ala que virou a chavinha inteiramente – bandeando-se para o liberalismo e/ou até para o reacionarismo – inclui nomes como Demétrio Magnoli, Matinas Suzuki, Mario Sergio Conti – todos jornalistas que também coincidentemente trabalham ou trabalharam na Folha de São Paulo.

Abster-me-ei de dedicar qualquer espaço para o talvez mais conhecido ex-militante de OT: Antonio Palocci – trânsfuga vulgar um verme. Canalha, vaidoso e corrupto trata-se de desprezível cachorro (delator). As elites as quais tanto obedeceu divertem-se zombando do ex-poderoso ministro da fazenda – agora usuário de tornozeleira eletrônica. Corrupto rastaquera, um traíra bajulado anos a fio pela grande mídia.

O sujeitinho de língua presa serviu tanto ao andar de cima e foi tão mimado por eles, que se achou inimputável (Vanity is my favorite sin ensina o Capiroto, interpretado por Al Pacino, no clássico The Devil´s Advocate). Quando acreditou já ter virado gente diferenciada seu Palocci pôs-se a roubar com espetacular sofreguidão. Anos a fio havia cultivado a imagem de pessoa sofisticada, inteligente, ponderada – cristal que desabou em um estrondo. Pallocci roubou e roubou, rápida e desbragadamente – sem nenhuma elegância nem método – pior até que um principiante tosco qualquer.

O ex-ministro não se via como o que de fato era: um “wannabe”. Depois terminou nos revelando sua verdadeira vocação, a de batedor de carteira – e ainda mais bobalhão que qualquer malandro de rua.

Primórdios

Inicialmente crítica ao movimento pró-PT, a então OSI brasileira – futuro O Trabalho, logo-logo incorpora-se ao esforço de construção daquele novo Partido plural, socialista, independente e classista.

O então estudante de jornalismo Reinaldo Azevedo foi trotskista. Militou no final dos anos 1970 em O Trabalho. Deve vir daí parte de sua consistente formação política – fundamentada naquela época em um marxismo-trosco-lambertista-pró-PT.

Não sei exatamente precisar em quais momentos Reinaldo Azevedo fez suas grandes transições político-ideológicas. Do socialismo revolucionário ao neoliberalismo tucano, passando pelo direitismo mais estridente até chegar ao exuberante progressismo liberal de hoje.

O fato é que durante muito tempo Reinaldo Azevedo foi um dos mais virulentos propagadores do antipetismo na grande mídia. Dotado de indiscutível talento oratório e texto primoroso, Reinaldo Azevedo esteve na linha de frente. Fazia agitação e propaganda – intelectual orgânico da direita, combativo. Incansável na conservadora oposição militante aos governos do PT.

Historicamente próximo ao PSDB, Reinaldo Azevedo esteve à frente da revista Primeira Leitura – publicação impulsionada e financiada pelo tucanato paulista, que circulou na metade inicial da década de 2000. O jornalista foi colunista da fascistóide revista Veja por 12 anos – o período mais tenebroso de sua trajetória pública.

Notabilizou-se como criador do neologismo “petralhas”, carimbo que mostrou-se grudento, termo virulento ao qual conservadores de todo tipo recorrem a todo momento para rotular não apenas os governos Lula/Dilma mas também o conjunto da militância petista. Em 2008, o ex-trotskista publicou um livro (coletânea de artigos) com um doce título: O país dos petralhas – a obra fez sucesso e deu cria.

O segundo volume foi regurgitado em 2012. Tudo com ampla divulgação e apoio da revista Veja, onde Reinaldo Azevedo hospedava sua coluna semanal além de toda grande mídia. No ano de 2017 Reinaldo Azevedo saiu (ou foi saído da Veja). Babado, confusão e gritaria.

A incompatibilidade entre ele e a publicação hebdomadária dos Civita deu-se aparentemente em virtude das críticas que vinha começando a tecer e torpedeavam a queridinha-mor da mídia – a operação Lava Jato. O estopim dessa surpreendente ruptura se relaciona com o episódio no qual Sérgio Moro vazou a transcrição de uma conversa comezinha entre Reinaldo Azevedo e Andrea Neves (irmã de Aécio). Moro arrumou nesse episódio um inimigo de peso.

No derradeiro artigo que publicou naquela revistinha fascistóide Reinaldo Azevedo classificou como intimidatória a divulgação enviesada daquele trivial diálogo entre ele (jornalista) e Andrea (fonte). Comum o papo era mesmo, mas saber que o mesmo aconteceu foi didático, cá entre nós (diga-me com quem andas – ou conversas – e direis quem tu és).

Surpreendente e contundentemente Reinaldo Azevedo posicionou-se como um dos pioneiros críticos daquela supostamente maravilhosa operação justiceira, então patrocinada por toda mídia. Sabemos hoje que foi uma estratégia golpista e anti-esquerda, concebida e implementada desde as profundezas do deep state norte-americano. É o petróleo, estúpido!

A tal operação supostamente épica era protagonizada por dois vaidosos provincianos paranaenses, mal treinados nos EUA. Não sabiam falar ou escrever direito nem em português, muito menos em inglês – uma duplinha de limítrofes capachos das elites e protofascistas. Rapidamente a roda da história girou. É um prazer quase orgástico assistir dia a dia à fulminante, trágica e espetacular derrocada da dupla Moro-Dallagnol. Luis Inácio falou, Luis Inácio avisou.

Lúcido, alertou-nos Reinaldo Azevedo lá nos primórdios da operação ela que poderia ser o início de um “estado policial”. Importante lembrar: alguns setores da esquerda flertaram e até chegaram a elogiar a Lava-Jato no início – ranço udenista de uns e ilusões “republicanas” de outros. Ah, o Estado burguês…

Foi no mês de fevereiro de 2019 – quando atuava como comentarista político da Rede TV – que Reinaldo deu então um bas-fond antológico. Resolveu pedir as contas e se desligar da emissora televisiva em grande estilo. Estrelou um piti memorável – ao vivo e em cadeia nacional. Inesperada e rudemente arrancou seus microfones pondo-se de pé. Muitos alegam que foi além e fez um gesto similar ao de “coçar o saco”.

Na sequência, desdenhou solenemente a simpática despedida ensaiada pelo reacionário Boris Casoy – que era o âncora do telejornal. Daí foi-se embora brusca e teatralmente, espumando de raiva, performando a ira mais santa e vingativa.

Outro giro

Não sei precisar exatamente quando ocorreu (em 2019 talvez). O fato é que Reinaldo Azevedo se reposicionou again. Com a mesma ênfase e competência de sempre. Passou a propagar posições progressistas. Ao ponto de vir a constituir-se, nos meios midiáticos, em um dos mais ácidos críticos tanto do bolsonarismo quanto do lavajatismo.

Quase um cavaleiro solitário cavalgando na contramão pelos campos nem tão verdejantes da grande mídia (Reinaldo Azevedo trabalha na Band FM e na Folha-UOL). Reivindica garbosamente (dia sim e outro também) sua filiação ideológica ao que seria um tipo ideal de liberalismo “clássico”. Ademais, orgulhosamente ostenta ao fundo de seu cenário um porta-retrato com a imagem icônica da filósofa liberal-cult a queridinha dos EUA, Hanna Arendt.

Todavia, entretanto, porém, contudo, na prática o apresentador tem se apresentado de forma crescentemente crítica ao campo conservador – e até simpático ao PT. Chegou recentemente a entrevistar Lula não só corretamente (o que já seria invulgar), mas também com empatia.

A mim me parece que Tio Rei está a vibrar em uma frequência de reconciliação com as ideias daquele do jovem socialista que um dia foi. Mesmo quando faz juras ao liberalismo objetivamente cada vez mais sustenta posições social-democratas – que lembram um Welfare State com cara brasileira. Reparem que formalmente segue repudiando ideias progressistas e socialistas.

Parece que sonha nosso jornalista com um governo liderado por aquele velho PSDB de centro-esquerda – que seria naturalmente o porta-voz do bom senso e do reformismo pragmático. Teríamos um blending perfeito. Mistura ideal – e nas proporções certas – de um social-liberalismo com muita social-democracia.

Esse PSDB imaginário nos salvaria. Seria o portador de um projeto quase perfeito – mesmo sendo essencialmente paulista, elitista, modernizante, levemente reformista, mal-humorado, blasé, supostamente ilustrado e muito arrogante. Algo meio Covas, meio FHC, representação da elite cosmopolita à frente de um país católico, mas que deve se manter secular. Um governo de gente pacata, moderadamente conservadora, vaidosa e com dicção perfeita. Por onde anda esse PSDB, afinal?

O PSDB com o qual Reinaldo Azevedo sonha transformaria o Brasil em uma nação desavergonhadamente moderna, empreendedora e globalizada, mas sem cair em exageros ultraliberais como os de um João Doria. Em sua utopia tucano-liberal-progressista o país teria a cara da Fiesp e do agronegócio (que é pop). Mas com o charme da USP.

Esse projeto tucano-raiz que empolga Reinaldo Azevedo projeta um Brasil contemporâneo distante tanto de esquerdismos como de extremismos neofascistas. Tal país que deve conservar suas liberdades democráticas – com políticas públicas compensatórias e total pluralismo. Mas, sem vacilar nada de dar margem à ascensão das classes populares. Muito menos para que se façam reformas estruturais.

Seríamos então o país do presente, a terra prometida, paraíso neoliberal fingindo e se achando socialdemocrata. Vistos de longe pareceríamos civilizados, embora de fato continuaríamos profundamente oligárquicos. Para sempre haveríamos de ter governos medíocres, contudo racionais. Conservadores e (ou) liberais – entretanto sempre compassivos.

Esse Brasil simpático, no entanto, só vale até o momento no qual a esquerda não chega ao governo. Nessa hora imediatamente se rasgam todas máscaras. As classes dominantes impulsionam logo alguma modalidade de golpe: rápida, eficaz e despudoradamente.

Dono de oratória afiada, consistente repertório cultural e conhecedor da boa literatura Reinaldo Azevedo tem cumprido um papel importante. É até inusitado que continue dispondo de 60 minutos diários para opinar livremente em plena Band News, além de manter sua coluna na Folha de Sâo Paulo.

Reinaldo Azevedo, ex-professor de literatura, um jornalista experiente maneja com talento a “última flor do Lácio”. Esbanjando referências faz questão de exibir vaidosa e arrogantemente seu vasto repertório cultural – embora pareça tentar não se apartar totalmente de seu público-alvo (setores centristas liberais bem informados das classes médias urbanas paulistanas e paulistas).

O colunista da Folha de São Paulo não abre mão de executar um ritual – faz todos saludos à la bandera. Ou seja, deixa nítido que continua um liberal de carteirinha: segue confiável para seus atuais patrões, para o conjunto dos barões da mídia e amigo dos donos do capital. Quando em vez, ao reiterar sua posição ideológica, parece estar o âncora apenas a repetir um protocolo – que visa manter seu emprego e/ou conservar sua audiência entre ouvintes e leitores senso comum.

Cada vez são mais frequentes críticas muito ácidas que o apresentador expressa – tanto à política econômica capitaneada por Paulo Guedes como a um conjunto de clichês ideológicos disseminados diariamente pelo partido da imprensa golpista (o famoso PIG – termo criado pelo saudoso Paulo Henrique Amorim).

Recentemente Reinaldo Azevedo tem falado de política internacional. Suas análises sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia são semelhantes às da esquerda. Meu amigo Breno Altman, editor do site Opera Mundi, quadro petista formado na velha e boa tradição comunista, entrevistou Reinaldo Azevedo no início do mês de junho. O clima era de camaradagem. Bem à vontade, o colunista da Folha bateu sem piedade nos liberais brasileiros.

Entre muitas outras frases de efeito (o estilo é o homem) Reinaldo Azevedo afirmou diretamente a necessidade de cuidarmos das contas públicas. Mas, aí vem o que importa, sem uma rigidez que impeça o crescimento econômico.

Um dos maiores algozes do PT, o âncora da Band News reconheceu naquela entrevista que os governos do Partido implementaram uma política de inclusão “coisa que nossos liberais não teriam feito”. Além disso, enfaticamente postulou a constituição de uma frente ampla antifascista. Esculhambando os neoliberais brazucas, que não falariam com os pobres, provocou: “talvez o liberalismo seja de fato coisa de país rico”.

Qual é o perfil da maioria dos atuais ouvintes/leitores de Reinaldo Azevedo hoje? Eu queria muito saber. Intuo que atualmente ele tem muito mais audiência no meios progressistas do que entre supostos liberais e/ou democratas não bolsonaristas.

A trajetória de Reinaldo Azevedo é peculiar. Ter sido militante socialista na juventude, se formar na tradição marxista mudar de lado e aderir ao neoliberalismo – e/ou ao direitismo repugnante – não é algo raro, pelo contrário. Bem menos usual é deparamo-nos com alguém que começa na esquerda resolve atravessar o rubicão, alcança a margem oposta, mas anos depois engata (ao menos parcialmente) marcha a ré. E fica menos distante do lugar de onde partiu.

Distopia neoliberal-fascista

Nesses dias tão estranhos a poeira nem mais “fica se escondendo pelos cantos” (saudades do Renato Russo). O Brasil de Bolsonaro é pesadelo bruto. Distopia. Tudo de ruim elevado à enésima potência. Sociedade hiper-capitalista e pós-moderna, ao mesmo tempo arcaica. Um terço do povo está sob hegemonia e direção política da extrema direita.

Brasil desde sempre radicalmente desigual – e agora com fascistas armados até os dentes. Sob explícita tutela militar. Estrutural e conjunturalmente somos um país misógino, violento, racista, homofóbico. Em nossas metrópoles vegeta multidão de miseráveis a perambular – maltrapilhos e famintos – como zumbis de alguma série da Netflix. Enquanto isso um punhadinho de homens brancos (cidadãos do bem) – milionários toscos – refestelam-se entocados nos seus luxuosos condomínios-bunker. Protegidos e escoltados por milícias particulares – tal casta de rentistas flana mundo afora a praguejar contra nossos impostos supostamente abusivos, contra a corrupção dos políticos e a burocracia do Estado.

Mas, de fato, o esporte preferido dessa burguesia fascistóide que se acha liberal é resmungar contra a indolência da classe trabalhadora brasileira – esse bando de desqualificados: uma gente preta e parda, pobre e inculta. Fazem isso sem descuidar em nenhum momento das ações para garantir a hegemonia cultural e política dos dogmas pró-mercado. Ultimamente também do milico fascista que elegeram em 2018. Mas não tem conversa. Já decidiram que tudo farão para reeleger Jair Bolsonaro mesmo tendo um pouco de nojinho – ou não.

Não tem sido fácil enfrentar tanta desgraceira, tanta irracionalidade – essa baita regressão civilizatória que veio junto com o autoritarismo neofascista. Quedamo-nos imersos, dispersos – muitas vezes sem forças ou condições objetivas para coletiva e organizadamente remar contra esse tsunami de fétidos dejetos. Quase esmagados pela preponderância de uma ditadura da burrice – orgulhosa, arrogante, agressiva e parecendo invencível.

Mas tentamos seguir de espinha ereta e cabeça erguida. Dia após dia. Apanhando, recuando e também meio que avançando quando dá. Reagrupando, refletindo, reinventando. Lutando nas ruas e chamando o voto em Lula, única forma de começarmos a virar essa página horrível.

Daí também deriva a enorme relevância de toda e qualquer voz que venha a se perfilar ao lado das forças antifascistas. Mais gente contra Jair Bolsonaro. Ainda que marchando separados podemos – devemos – seguir golpeando juntos.

Vai, Tio Rei! Segue sendo um tanto gauche na vida. Se nosso existir está repleto nas palavras de Drummond: “ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera”, a voz de Reinaldo Azevedo: “é feia, mas é uma flor – furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

*Julian Rodriguesjornalista e professor, é ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos. É doutorando no Programa de América Latina da USP.

Artigo publicado originalmente em https://aterraeredonda.com.br/as-metamorfoses-de-reinaldo-azevedo/

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