Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Atirador nos EUA revela riscos de estimular ódio na política por Marcelo Semer

5 - 6 minutos de leituraModo Leitura
Quando a discussão é substituída pela ofensa rasteira, quando a disputa eleitoral é incorporada no discurso militar, quando o medo é o argumento central da política, a violência dificilmente deixa de ser parceira.


Durante a campanha eleitoral para deputado nos EUA, republicanos do
Arizona tinham como lema: "Ajude a tirar Gabrielle Giffords de seu
cargo. Dispare um (fuzil) M16 carregado com Jesse Kelly (seu
adversário)".

Sábado passado, Jared Lee Loughner, de vinte e três
anos, crítico obcecado dos democratas, efetuou aproximadamente vinte
disparos, no momento em que a deputada Giffords se reunia com eleitores
em um supermercado em Tucson, Arizona.

O saldo da tragédia não
tem ainda números fechados: seis mortos, inclusive uma criança, e a
própria deputada em estado grave após receber um tiro na cabeça.

Os
disparos ecoaram muito além do Arizona. O Congresso norte-americano
paralisou suas atividades, no esforço de tentar reduzir o tom do
confronto político que, supõe-se, tenha desencadeado a violência.

As
maiores atenções da política norte-americana se dirigem ao movimento
ultraconservador Tea Party, que tem como um de seus ícones, Sarah Palin,
candidata derrotada à vice-presidência pelo partido republicano nas
últimas eleições.

É consenso na política americana, a virulência
verbal deste movimento ultraconservador, inclusive pelo emprego de tom
fortemente acusatório e lastros em questões morais e religiosas.

O
estímulo ao ódio está tão presente no país que analistas americanos
estão comparando o momento atual à década de 60, quando foram
assassinados o presidente John Kennedy, seu irmão, o senador Robert
Kennedy e o líder de direitos civis, Martin Luther King.

Mesmo
depois da tragédia, Sarah Palin mantinha em seu site as indicações dos
principais "alvos a serem abatidos" entre os democratas, mapa que
constrangedoramente contava ainda com a figura da deputada democrata do
Arizona.

Que a crítica contra a deputada já descambava para a
violência, nem era fato desconhecido. O comitê de Giffords havia sido
vítima recente de vandalismo e pessoas armadas foram flagradas em seus
comícios. Era apenas uma questão de tempo.

É certo que não se
pode acusar automaticamente a republicana pela apologia, em razão do
infeliz uso da metáfora militar. O desequilíbrio emocional do atirador
provavelmente está além das razões do Tea Party.

Mas é evidente
que o recrudescimento do discurso estimula e muito a incorporação da
violência no cotidiano da política -e este é o grande temor demonstrado
pelos norte-americanos nos dias que seguiram à tragédia.

Atiradores a esmo são comuns nos Estados Unidos -e até o momento não parecem ter sido importados pelo Brasil.

Mas a virulência na discussão política não tem nada de desconhecido para nós.

A recente campanha eleitoral brasileira foi recheada da violência verbal típica do Tea Party.

O
tom do debate foi de desconstrução, sendo Dilma, em especial, vítima de
uma avalanche de correntes de falsos e-mails ofensivos e altamente
provocativos. A campanha foi recheada de temas religiosos, estimulando
não apenas o preconceito, como também o fanatismo. A hoje presidenta
conviveu com a insígnia de "terrorista" por toda a eleição e é comum que
assim ainda seja chamada em mensagens digitais.

Tanto radicalismo não se mostrou inócuo.

Após
a eleição, um surto de mensagens virais no Twitter estimulava o ódio
regional, apontando-se o nordestino como culpado pela vitória de Dilma,
com base em imprecisas interpretações dos resultados eleitorais.

A
xenofobia ressuscitou, inclusive, um movimento antimigratório que pouco
fica devendo à causa hitlerista – São Paulo para os Paulistas.

Coincidentemente,
as ameaças à deputada democrata americana chegaram ao auge justamente
quando ela se opôs com vigor à lei do Arizona, que passou a tratar o
imigrante ilegal como um criminoso.

É fato que a xenofobia tem sido prato indispensável do cardápio de quase todos os partidos conservadores mundo afora.

Mas os paralelos não param aí.

O
jornalista americano Mark Weisbrot, em artigo publicado na Folha de S.
Paulo durante a campanha eleitoral, comparava a estratégia tucana, que
abandonou a discussão econômica para se centrar em temas religiosos,
como uma frustrada importação das táticas recentes dos republicanos nos
EUA.

O cipoal de mensagens no Twitter no dia da posse,
estimulando que um "atirador de elite" matasse Dilma Roussef, pode
indicar que os subprodutos do terrorismo eleitoral também vieram na
bagagem.

O clima apocalíptico exposto durante a campanha, a
violência verbal que ultrapassou em muitos graus a divergência política,
a criação de inimigos a serem abatidos ou eliminados, vem sendo
apropriados por quem pretende transformar a política em guerra.

O
terrorismo eleitoral sempre apresenta a eleição como uma antecâmera do
fim do mundo, insuflando e mobilizando o desespero alheio.

A
virulência das manifestações nas redes sociais não é apenas um sintoma
de acirrada disputa política, que faz bem a toda democracia. Mas da
substituição do debate pela agressão, do argumento pela desqualificação,
da dialética pelo xingamento, características marcantes do que já se
universalizou como "troller" -aquele que propositadamente puxa a
discussão para baixo, fazendo com que a confusão a anule.

Quando
a discussão é substituída pela ofensa rasteira, quando a disputa
eleitoral é incorporada no discurso militar, quando o medo é o argumento
central da política, a violência dificilmente deixa de ser parceira.

Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo.
Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de
"Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de
"Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras).
Responsável pelo Blog Sem Juízo.

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