Belchior é Sonzaço por Renato Queiróz
Era uma vez um homem e o seu tempo. Vivas a Belchior!
Antonio Carlos Belchior, mais conhecido como Belchior (Sobral, CE, 26 de outubro de 1946 — Santa Cruz do Sul, RS, 30 de abril de 2017), foi um cantor, compositor, músico, produtor, artista plástico e professor brasileiro.
Senta que lá vem História!
As letras passionais de Belchior dizem muito sobre a alma do artista. O suprassumo do cancioneiro de Belchior expôs o som e a fúria daqueles anos de rebeldia sufocada pelo sistema.
Já na primeira música gravada, “Na hora do almoço” (1971), o compositor pôs na mesa o silêncio ensurdecedor que anestesiava as relações familiares, num reflexo do medo que imobilizava a sociedade. Na obra que volta e meia citava músicas dos Beatles, Belchior expôs urgências e desesperos de uma juventude que viu, naqueles anos 1970, ruir os sonhos alimentados pela contracultura da década de 1960.
“Ando mesmo descontente / Desesperadamente eu grito em português”, bradou Belchior em versos de “A palo seco” (1973).
Em “Paralelas” (1975), o compositor já falava da automação do homem urbano na sociedade capitalista em versos como “E no escritório em que eu trabalho e fico rico / Quanto mais eu multiplico / Diminui o meu amor”.
Belchior cantou a solidão das pessoas das capitais, como explicitou em versos de “Alucinação” (1976), música que batizou a obra-prima da discografia do artista. “Precisamos rejuvenescer”, avisou nos versos do rock “Velha roupa colorida” (1976), petardo do referencial álbum “Alucinação”.
É que, já naquela época, Belchior percebeu que nossos ídolos ainda eram os mesmos, como concluiu, com boa dose de amargura e desilusão, na letra de “Como nossos pais” (1976), outra música do disco que sedimentou a obra do artista.
Contudo, ao mesmo tempo em que denunciou angústias e solidões, Belchior já se revelou, ele próprio, um solitário.
“Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho / Deixem que eu decida a minha vida”, ordenou em “Comentário a respeito de John” (1979). John, claro, era John Lennon (1940 – 1980), o beatle que personificou o sonho de uma revolução contracultural que, pelo balanço feito por Belchior nas letras contundentes da obra do artista, já tinha fracassado.
A partir dos anos 1980, Belchior saiu progressivamente do caminho do mainstream e andou sozinho, pelas margens do mercado comum da música, mas sempre fazendo shows em que cantava as letras dessas músicas cheias de som e fúria.
O cantor ensaiou algumas voltas em discos pouco ouvidos como “Melodrama” (1987) e “Bahiuno” (1993), mas a obra imortal da década de 1970 já tinha garantido a Belchior a eternidade no panteão de ídolos da MPB por conta de músicas valorizadas por letras cheias de paixão e pressa de viver. É por elas que o artista vai ser sempre eterno.
Por mais discreto que Belchior tenha tentado se tornar nos últimos anos de sua vida, o artista virou uma espécie de figura mítica na música brasileira. Para além da obra que permanece atual, Antônio Carlos Belchior fez escolhas que desafiaram a imprensa, o grande público e seu próprio percurso artístico ao assumir que a vida era, de fato, diferente. Que nada era divino.
E, ao se retirar, Belchior virou cult.
As reflexões que sempre fez é que deu relevância ao cancioneiro autoral do cantor, compositor e músico cearense, e o torna universal.
“Coração Selvagem” é o quarto álbum de Belchior. Lançado em 1977 pela WEA, após o sucesso do seu primeiro disco, Alucinação, Belchior seguiu lançando músicas que consagraram sua carreira nesse álbum, como a faixa-título, “Coração Selvagem”, “Paralelas”, “Galos, Noites e Quintais” e “Todo Sujo de Batom”.
O álbum teve a participação sempre magistral de Marco Mazzola na produção, e foi o primeiro dos lançamentos do cantor pela Warner.
Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.