Boric e Macron: sintomas do mal que nos aflige. Por Fernando Horta
Não que o mundo tenha sido, em algum momento, um lugar calmo, mas é indiscutível que estamos observando um momento antes de uma grande virada. Há quem afirme que estamos às vésperas (ou já dentro) de um grande conflito bélico global, há quem – mais enrustida – fale que estamos “num momento de uma grande reconfiguração de forças geopolíticas” … no fundo, para quem não gosta de “salamaleques”, a coisa está “mal-parada”.
Minha avó usava esta expressão quando era visível que a resultante das forças que estavam sendo aplicadas sobre um sistema ditava que o sistema saísse do seu tênue equilíbrio. Minha avó não era nenhuma analista política, nem tinha qualquer formação em Física ou Matemática, mas como muitas pessoas da sua época, tinham aprendido com o tempo que os momentos de calmaria eram poucos e normalmente de curta duração.
Tudo o que minha saudosa avó ensinava com bolos, doces e usando a política da rua onde morava eu fui aprender depois nas teorias da História e das Relações Internacionais. O conflito é o estado normal da nossa convivência, e os períodos em que esses conflitos não estão comandando as decisões dos atores é apenas pontual. E falo aqui de geopolítica e política internacional.
Nesses momentos que antecedem “alguma coisa” os atores se preparam para o grande momento. E fazem isso amealhando poder, apoio, tecnologias e capacidades que julgam necessárias para alterar os acontecimentos futuros. Vimos isso no período da “Paz Armada” antes da I Guerra Mundial (1914-1918). Nos primeiros anos da década de 10 do século passado, todo mundo falava em paz e jurava que estava tudo bem, mas os franceses investiam pesado em rifles de longo alcance, a Alemanha desenvolvia metralhadoras e a Inglaterra reforçava a construção de submarinos. Poucos anos depois a guerra surgia.
Hoje, os principais institutos de pesquisa do mundo avisam duas coisas: (1) a desigualdade social e a concentração de renda atingiram os maiores picos da história e já estão, portanto, maiores do que na época da primeira guerra. A outra (2) é que nunca se gastou tanto no mundo em defesa e assuntos militares. A coisa está “mal-parada”. Nesse momento nós temos que amealhar apoios políticos, conseguir mais força econômica, garantir não estarmos atrás tecnologicamente da maioria dos países e seguir fazendo a cara de paisagem como se nada estivesse acontecendo.
Isto é exatamente o que EUA, Rússia e China estão fazendo. Ninguém quer confronto imediato, mas protegem seus aliados, incitam deserções no campo do outro, estabelecem novas razões para o mundo enquanto investem em armamentos e capacidade militar. A Venezuela, a Itália, a Inglaterra e o Japão, por exemplo fazem também a mesma coisa. Evitam conflitos diretos, marcam suas posições regionais, convidam apoiadores e rechaçam qualquer ingerência em seus assuntos.
França e Chile estão na contramão de tudo. Macron cria um conflito insuperável ignorando completamente as eleições que perdeu ao mesmo tempo que hipoteca sua palavra a todo custo para jogar a União Europeia na Guerra contra a Ucrânia. Ameaçou colocar “tropas francesas” no solo Ucraniano, tentou convencer outros líderes a mandarem armas para Zelensky e está por todos os meios tentando trazer o conflito para o coração da Europa. Ao mesmo tempo, o presidente francês despedaça qualquer sentido de esperança na democracia ao simplesmente ignorar o resultado das urnas. Esse foi o líder recebido pelo governo Lula com pompa e circunstância no Brasil quando tinha tido uma recepção crítica e agressiva quando viajou pela África. Aliás, esse “mise em scene” foi um dos enormes erros na política externa brasileira dos últimos tempo.
Boric faz a mesmíssima coisa. Após jogar ao solo qualquer esperança do povo chileno de se ver livre das leis do período da ditadura, Boric conseguiu – com uma política de “governabilidade” se tornar um líder frágil internamente que vive de agraciar simbólica e efetivamente a extrema direita no seu país. A partir desses absurdos, Boric cria confusões regionais, fala mais que a boca e consegue muito pouco internamente. Como Macron, Boric é o responsável por enterrar a confiança dos chilenos na capacidade da democracia de mudar alguma coisa.
E que Boric e Macron – pelos seus flagrantes erros – sejam lição para o governo Lula. Nos momentos anteriores a essa grande “mudança” que está para acontecer, é preciso ser verdadeiro, falar para os que nos apoiam, criar meios para nos fortalecer internamente porque o conflito – na minha opinião – já é incontornável. Temos que decidir como vamos enfrentá-lo: se esfacelados internamente e com alianças insustentáveis ou se vamos fortalecidos pela confiança e pela esperança no futuro. É hora de entendermos que interna e externamente precisamos governar para quem nos sustenta, para quem nos apoia e para aqueles que acreditam em um mundo menos desigual depois da tormenta que se avizinha. Ganha quem for verdadeiro e não quem faz contorcionismos por governabilidade..
Artigo publicado no Brasil 247