Candidato sem simpatia sofre, diz ministra.
Dilma afirma que nunca imaginou um dia ser candidata a presidente da República e, na infância, queria ser "bailarina’
Ministra reafirma certeza de que está curada do câncer e diz que, depois
da doença, passou a "dar importância ao sol batendo nas folhas"
Ainda
sem assumir oficialmente uma candidatura que o presidente Lula divulga pelo
país, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) afirma que nunca imaginou um dia
disputar esse cargo e que, na infância, seu sonho era ser
"bailarina".
"Isso, eu acho que é mais de homem. Na minha época, eu queria ser
bailarina", disse, depois de ser questionada se na infância chegou a
sonhar em ser presidente do Brasil.
Dilma deixa escapar aqui e ali sua condição de candidata petista à sucessão
de Lula, apesar de dizer que isso só ficará definido após a convenção de seu
partido. "É uma honra, sem sombra de dúvidas", diz, ao falar sobre
a possibilidade de dar continuidade ao governo Lula.
Tida como uma futura candidata "sem carisma nem jogo de cintura", a
ministra reconhece que são qualidades importantes num candidato. Quem não as
tem, afirma, "sofre".
Dizendo ter certeza de que está curada do câncer, afirma que a doença a fez
dar "imensa importância para a vida" e também a "coisas
menores". Por exemplo, "você dá importância ao sol batendo nas folhas,
olha o mundo com outros olhos".
Sobre a polêmica envolvendo a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira,
que gerou desgaste em sua imagem, a ministra diz que, para ela, esse episódio
está encerrado.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, na qual afirmou que
o governo Lula fez o brasileiro perder "aquilo que o Nelson Rodrigues
chamava de complexo de vira-latas". (VALDO CRUZ)
FOLHA – Quais são os
pontos positivos que o governo Lula poderá apresentar durante a campanha
eleitoral, em 2010?
DILMA ROUSSEFF
– Eu acho que três, que vamos deixar de legado. Crescimento econômico,
inflação sob controle e o fato de termos elevado à classe média milhões de
brasileiros. Outro dia, o último dado dava quase 25 milhões de pessoas.
Criamos uma rede de proteção para os mais pobres, fizemos uma transformação
da educação básica. Tem ainda a questão das escolas técnicas, esse orgulho do
presidente de ser quem mais criou universidades no Brasil. O JK criou 10, ele
criou 11.
FOLHA – Duas não
vinham do governo FHC?
DILMA
– Tem
mais três no Congresso. Tem o PAC. E tem mais uma coisa, a questão da nossa
soberania, o fato de termos sido capazes, mantendo a nossa soberania, de ter
uma política externa de diversificação de parceiros. O Brasil acabou com a
submissão que tínhamos aos Estados Unidos, à Europa, e passou a ser um
"player" internacional. E o presidente fez isso magistralmente.
Essas coisas produzem, no Brasil e no governo, a respeitabilidade internacional.
Eu acho que essa autoestima nós conseguimos passar para a população. Hoje nós
não temos mais aquilo que o Nelson Rodrigues chamava de complexo de
vira-latas. Eu acho que o Brasil mudou. E acho que as pessoas sabem disso.
FOLHA – E os pontos
negativos do governo Lula, que serão explorados pela oposição?
DILMA
– Ah, se
a gente tivesse mais um prazinho fazia. A gente sempre pode melhorar tudo.
FOLHA – Mas alguns
pontos, como saúde, segurança…
DILMA
– Eu acho
que nós temos uma grande tarefa daqui para a frente. O presidente sempre fala
nisso. A questão da melhoria do Estado brasileiro. Esse negócio de
transformar, de criar o Estado mínimo, é uma coisa muito ineficiente. Nós
tivemos, depois da década de 80, um processo de desmantelamento da máquina
pública, o que implicou perda de capacidade e de engenharia.
FOLHA – A sra.
acredita que esse conjunto de programas será suficiente para o presidente
eleger o seu sucessor?
DILMA – Nós
acertamos mais do que erramos. Olha, se aquele assessor do Clinton tinha
razão, "é a economia, estúpido", eu acho que o presidente Lula tem
um governo que não é só economia. É, como eu disse, o social, o nacional e o
internacional. Então, acho que, pelo menos, nós deixamos um grande legado.
FOLHA – Uma
plataforma para eleger o sucessor?
DILMA –
Esperamos que sim, mas, se não for suficiente, é um bom legado.
FOLHA – Como
principal auxiliar do presidente Lula, como definiria a mensagem de uma
campanha eleitoral no ano que vem?
DILMA
– Não
tenho a menor ideia, porque não sou marqueteira, não tenho esse talento. Mas
no dia que eu tiver clareza disso eu te conto.
FOLHA – Mas a sra.
conhece todo o governo. Não estou dizendo um slogan, mas a mensagem. DILMA – Mas eu já respondi isso, quando
falei dos quatro pontos que nos distinguem. Acho que a questão do pré-sal é
uma marca inequívoca nossa. Eu acho que nossas intervenções foram todas
estruturantes para o país. O que eu estou querendo dizer é o seguinte: esse
governo pode ou não fazer seu sucessor, eu pessoalmente espero que ele faça,
agora inequivocamente ele mudou o Brasil, o de 2010 não tem nenhuma
similaridade com o de 2002. Nem nas expectativas das pessoas, nos sonhos das
pessoas, no que as pessoas acham que é possível ter. Até isso eu acho que é
importantíssimo, nós elevamos o que as pessoas podem sonhar. Nós aumentamos
as possibilidades de sonhos. Então o maior legado é essa imensa esperança de
hoje que esse povo tem.
FOLHA – Candidata a
presidente tem necessariamente de ser simpática e ter jogo de cintura?
DILMA
– De
preferência, ser simpático e ter um de jogo de cintura.
FOLHA – E não tendo
essas características?
DILMA
– A
pessoa sofre.
FOLHA – A sra. vai
sofrer?
DILMA
– Eu não
sei ainda. Mas a gente sempre sofre, não dá para achar que o mundo é um
paraíso, que a gente vive em um mar de rosas.
FOLHA – O presidente
tem falado, nos últimos dias, abertamente da sua candidatura a presidente…
DILMA – Pois é.
FOLHA – A sra.
imaginou um dia disputar esse cargo?
DILMA – Se você
perguntar para mim se alguma vez imaginei disputar, não. Imaginei não.
FOLHA – O que é ser
candidata a presidente da República?
DILMA – Olha,
[reflete por alguns segundos], eu acho que é para qualquer pessoa, brasileiro
ou brasileira, é algo muito… Primeiro, honroso, a pessoa tem de se sentir
muito honrada. Segundo, eu acho que é algo que o pessoal da minha geração,
ela queria mudar o Brasil, o mundo, e queria um mundo mais justo, um Brasil
mais avançado.
A minha geração foi contra a pobreza, a favor dos trabalhadores, a favor do
desenvolvimento do país, da riqueza do Brasil. Então eu acho que o governo
Lula nos deu a possibilidade de tornar isso real. Ainda no meu período de
vida, porque podia ter passado por esse período e não ter se tornado
realidade. Então essa experiência no governo Lula já foi avassaladora. Eu
acho, para qualquer pessoa, estou falando do meu lado, do pessoal que está
tocando o governo Lula, é uma honra. E, mais do que isso, é a continuidade
disso que importa.
FOLHA – A sra. poder
continuar isso é uma honra?
DILMA – É uma
honra, é uma honra, sem sombra de dúvidas.
FOLHA – A sra. se
sente preparada para isso?
DILMA – Eu não
sei, porque essa, daqui para a frente, você não me pega em mais nenhuma, tá?
Porque eu não vou entrar na sua, especulando sobre candidatura.
FOLHA – Mas a sra. já
falou tanto sobre isso.
DILMA – Não,
não vou. Não. Agora encerramos essa conversa de candidatura. A gente
retomará, oportunamente, se for o caso, em 2010. Eu todas as vezes falei do ponto
de vista conceitual. Isso é um assunto para ser tratado depois das convenções
dos partidos, do PT.
FOLHA – Mas a sra.
disse que é uma honra?
DILMA
– Para
todos nós será. Para todos nós, da minha geração e dos que participam do
governo Lula, é uma honra. Porque tem isso no governo Lula. A gente tem esse
lado, considera uma coisa muito importante.
FOLHA – A sra. teve,
na infância, esse desejo de um dia ser presidente?
DILMA
– Não, eu
não tive não. Isso, eu acho que é mais de homem. Na minha época eu queria ser
bailarina.
FOLHA – De bailarina
a presidente da República.
DILMA – Não,
mas é bailarina. Menina queria ser bailarina, princesa, Cinderela. Quando
menina, da minha geração, queria ser bailarina, a gente gostava muito de
bailarina.
FOLHA – A sra. fez
exames na semana passada…
DILMA
– Não,
não fiz. Vou fazer, porque na semana passada, eu ia lá fazer, mas eu saí em
férias e perguntei se precisava ir. Como estava em férias, tanto faz fazer
numa semana, duas semanas depois. Vou fazer no final da próxima semana. Aí
nós vamos fazer de fato o anúncio oficial da minha situação de saúde. Mas eu
tenho absoluta certeza de que estou curada.
FOLHA – A doença
mudou o comportamento da sra.?
DILMA – Muda,
muda. Você dá mais importância a coisas menores. Por exemplo, você dá
importância ao sol batendo nas folhas, você olha o mundo com outros olhos.
Você dá importância maior para a vida. É sobretudo isso. Quer uma síntese. Dá
uma imensa importância para a vida e suas manifestações. Árvores, flores,
você olha mais, e dá mais importância para o mundo de uma forma mais
tranquila, mais calma. Mesmo trabalhando 24 horas por dia.
FOLHA – A sra. se
sente mais forte depois disso tudo?
DILMA
– Fica
mais forte. Foi o que eu falei no início, doente velho é um bicho muito
esperto. Você fica esperto, fica mais forte.
FOLHA – Fica mais
forte para qualquer desafio pela frente?
DILMA
– Fica
mais forte para enfrentar, porque as outras coisas não são tão desafiadoras
como é a vida. A vida é mais desafiadora do que qualquer outra coisa. E tem
de dar valor a isso, viver.
FOLHA – O que mudou
na vaidade da sra. nesse período?
DILMA
–
Valoriza horrores o cabelo. Porque você perdeu, então valoriza ele, fica
olhando para ele, passa a mão, olha se ele cresceu.
FOLHA – A sra. quer tirar
a peruca quando?
DILMA
– Eu
estou esperando que ele cresça um pouquinho. Eu não posso nem dar de exemplo
o cabelo de vocês, que são imensamente maiores do que o meu. O meu está muito
curto. O que acontece, estou esperando ele crescer um pouquinho. A minha
expectativa é essa, de que venha bem bonito, mas esse é um grande desafio.
FOLHA – Sobre a
ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, ela afirma que se encontrou com
a sra. A sra. afirma que não. O que afinal aconteceu?
DILMA
– Para
mim, esse episódio está encerrado.
Entrevista publicada originalmente no jornal A Folha de São Paulo