Carta pro Chico, Caetano e Gil. Por Manno Góes
Tum. – Ligação do Brasil. Atende? – Si! – Hallo? – Chico? – hein? – Oi, Chico. Sou eu, o Lobão. – Quem? -Lobão! Aquele que escreveu recentemente uma carta aberta para você.
– Quem? Desculpa. Chove lá fora e aqui faz tanto frio. Não te escuto direito.
– Lobão, cara. Lobão. Que escreve na Veja!
– Aonde?
– Na Veja. Aquela revista que ajuda a politizar as pessoas inteligentes do Brasil, este país repleto de gente ignorante e tomado por inocentes úteis.
– Os inocentes do Leblon?
– Também.
– Carlos Drumond de Andrade.
– Hein?
– Esquece. Quem é?
– Porra, Chico! Sou eu; Lobão!
– Quem?
– Sou eu, caralho! A voz da ruptura ao Foro de São Paulo! O defensor da opressão comunista e bolivariana deste país! A âncora dos reprimidos. O porto seguro dos contrários à esta ditadura de esquerda implantada no Brasil.
– Oi, Mainardi!
– Não é o Mainardi!
– Olavo?
– Só se for o Olavo a jato!
– Constantino! Adorei sua listinha. Pobre, Schindler.
– Não! Não! Você está me deixando deprimido.
– A pior expressão da angústia pode ser a depressão ou algo que você pressente.
– Isso!
– Isso o que?
– Depressão! Você está me deixando deprimido! Não tente me matar!
– Pelo menos esta noite não.
– Estou muito triste, Chico.
– Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz.
– Você não leu minha carta.
– Eu gosto de cartas! Você leu a do Temmer?
– A que ele escreveu pra Dilma?
– De fato, logo ela, tão coitada e tão singela,
cativara o forasteiro, o guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso, era dela, prisioneiro.
– Que bosta!
– Joga na Geni.
– O que?
– A bosta.
– Foda-se Geni.
– Joga pedra na Geni!
– Foda-se a pedra.
– Você é de alguma companhia de celular?
– Não, cara. Sou eu! Lobão! O cara que disse que caso Nelson Rodrigues estivesse vivo diria que você teria que dizer para o país “me perdoa por te trair”.
– Nelson Rodrigues, o amigo de Medici?
– Esse aí!
– Ele não diria isso não.
– Claro que diria.
– Acho que não.
– Eu sempre tenho razão.
– Tem não.
– Caetano disse que sim.
– Sim o que?
– Que eu tinha razão.
– Ele disse, foi?
– Disse!
– Então Caetano tem razão!
– Razão de que?
– De você ter razão, ora.
– Caetano nunca tem razão.
– Tem razão. Então ele está errado. Você não tem razão.
– Mas eu tenho razão.
– Tem razão. Então Caetano está certo.
– Ele nunca está certo.
– Tem razão. Então você não tem razão.
– Dane-se Caetano. Ele leu meu texto. Gil se emocionou. Você não vai mesmo ler o que escrevi? Uma amiga de uma amiga da prima da amiga da minha vizinha me disse que você não iria ler.
– Ler o que?
– Meu texto!
– Que texto?
– Meu texto! Minha carta que escrevi pra você, Gil e Caetano.
– Ah! Que coisa boa! Você é um fã? Adoro cartas de fãs.
– Mas não escrevi uma carta de fã. Escrevi como o cantor, Lobão.
– Ah, não? Que pena. Eu gosto de escrever cartas. Meu caro amigo, eu bem queria lhe escrever. Mas o correio andou arisco.
Se me permite, vou tentar lhe remeter notícias frescas nesse disco.
– Que disco?
– Disco. Uma coisa redonda com um buraco no meio.
– Não lembro mais o que é gravar um disco.
– Deveria.
– Mas não estou falando de disco!
– Sério? Está falando de que?
– Da minha carta.
– Temmer?
– Não! Lobão, o cantor!
– Cantor? Eu gosto de cantar. Deveríamos falar mais sobre isso. Menos de política. Minha travessia é poder cantar essa voz guardada.
– Porra, Chico! Você tá tirando uma de malandro pra cima de mim.
– O que dá de malandro regular, profissional,
Malandro com aparato de malandro oficial,
Malandro candidato a malandro federal,
Malandro com retrato na coluna social,
Malandro com contrato, com gravata e capital que nunca se dá mal.
– Você quem vai se dar mal! Você é uma vergonha para o Brasil, senhor Chico Buarque.
– Quem?
– Você. Chico Buarque de Hollanda.
– Mas eu não sou o Chico Buarque, ué.
– Como não? Você não é o Chico?
– Sou.
– Então, porra!
– Mas yo no soy o brasilaño, querido. Soy o papito.
– Supla?
– No, no. Soy o argentino. O papito, comprises?
– Petralha!
– hein?
Tum, tum, tum…
