Contardo Calligaris fala sobre a manutenção do casamento e a importância do sexo entre os casais
Depois de uma palestra introspectiva no ciclo de debates Fronteiras do Pensamento, em Florianópolis, no qual divagou sobre a importância da ficção, o psicanalista italiano Contardo Calligaris não se importou em mudar o tema da conversa. Ao ser avisado que seria questionado sobre relacionamentos, abriu um sorriso e disse: ótimo!.
Sua visão sobre namoro, casamento, sexo, preconceito e sentimentos, entre outros temas, é escrita na coluna semanal no caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e ganhou leitores atentos, que parecem encontrar nas palavras de Calligaris uma forma mais prática de encarar as coisas.
Mas os pensamentos não estão restritos ao jornal. Adepto do Twitter (@ccalligaris), volta e meia brinda seus quase 40 mil seguidores com um pensamento resumido em 140 caracteres. Em 2010, fez uma série de tuítes de sucesso chamada Solidão Urbana. Foram 100 publicações sobre o tema. “Há os que recusam convites porque, cá entre nós, é muito trabalho”, dizia um de seus posts. Depois seguiu com a série Encontros Urbanos.
Com o tempo contado, Calligaris falou ao Donna sobre alguns dilemas da vida a dois.
Ainda é possível construir relacionamentos duradouros?
Por que todo mundo acha que a duração seria um valor? Eu conheço relacionamentos que duraram anos e foram péssimos do começo ao fim e outros que duraram uma semana e foram grandiosos, mudaram a vida daqueles que nele se engajaram, tocaram a vida profundamente, e foi então um momento crucial das duas pessoas que se encontraram. Será que a duração é a primeira coisa que devemos pedir de um relacionamento? Eu acredito que a primeira coisa é que valha a pena, me mude, me transforme, me toque. Definir um bom relacionamento amoroso é uma longa história, mas não sei se colocaria a duração como um traço decisivo. Durar não é um propósito de um casal. Se o propósito for durar você vai viver apenas de concessões para que aquilo dure, o que é péssimo.
O que mantém um casal junto?
Que cada um seja incentivo para o desejo do outro e não uma desculpa para o outro desistir de coisas que são cruciais na vida dele e dela. Se eu posso dizer eu queria muito dar a volta ao mundo de bicicleta, mas infelizmente minha mulher não gosta de duas rodas, realmente eu devo sair dessa relação. Se eu posso dizer qualquer coisa e o meu marido me encorajou muito a fazer isso, a relação faz sentido. A relação não é uma desculpa para desistir do nosso desejo. Deveria ser o contrário, deveria ser o que potencializa o desejo de cada um. Esse é o primeiro ponto crucial para que um casal valha a pena. O outro me ajudar a desejar mais.
Nessa questão de companheirismo, muitos casais reclamam que a relação esfria. Faz parte?
Os colegas sexólogos têm um monte de ideias certas. Não é só o companheirismo que esfria a relação, ele poderia não esfriar. O que esfria é a infantilização. Um casal que começa a brincar com o tom de voz de bebê é fadado à extinção, um casal que se chama mutuamente, seja qual for a idade, de mamãe e papai porque tem filhos é fadado também à extinção. É preciso continuar se considerando adultos. Outra coisa importante, que todo mundo sabe, mas que todo mundo esquece com muita facilidade, o sexo precisa de treino. Ou seja, quanto menos o casal transa, menos vai transar. Manter uma vida sexual ativa não é uma consequência de efeito da natureza. É um esforço. É preciso pensar no sexo, pensar no sexo quando o outro não está, pensar em como vai ser o sexo, é preciso manter uma excitação sexual e ter fantasias. O sexo com preguiça não rola.
Há traições que são mais fáceis de serem perdoadas em um relacionamento?
Na minha doutrina a única traição realmente que importa é a traição de si mesmo. Se por minha causa a minha parceira teve que trair seu próprio desejo, de qualquer jeito o casamento está falido. Então, a ideia de que “estou traindo o outro porque estou saindo com uma terceira pessoa” não tem muito sentido do meu ponto de vista. Mas eu sou cara que não sou absolutamente ciumento. Então a compreensão minha para essas coisas é muito limitada. Ou o casal não existe mais – nesse caso não tem traição nenhuma, simplesmente cada um está indo para um lado – ou o casal existe e o que estamos chamando de traição é algo como: “Ah, você estava viajando para Nova York, quatro dias a trabalho e transou com um cara que encontrou no hotel…” Pode até me ligar para dizer “foi ótimo, me diverti”.
Mas é uma minoria que é assim…
Sem dúvida, é uma minoria.
Esse mundo paralelo de mídias sociais, como o Facebook, prejudica a formação de relações reais?
Não. Eu acho que atrapalha as relações enquanto tais. Mas tem um monte de gente que se encontra graças à internet. Não estou nem falando do Facebook em geral, ou de encontros pela internet. Eu encorajo, inclusive, vários pacientes meus a ficarem online. Porque com o ritmo de vida de hoje, o ritmo de trabalho e companhia, faz com que encontrar alguém seja muito complicado. Por que não recorrer àquilo? E tem estatísticas americanas, e eu não sei se a gente tem que acreditar nisso, mas 15% dos casamentos dos últimos anos são de pessoas que se encontraram pela net. Conheço pessoas que só têm sexo online, por videocam à distância. Desse ponto de vista, acho que a internet é um lugar onde você pode ter uma fantasia muito peculiar, e você, muito mais facilmente que no mundo dito real, vai encontrar sempre alguém que tenha uma fantasia como a sua. E, tem mais, relações sempre foram virtuais. Ninguém nunca realmente soube com quem estava transando, quem estava amando ou com quem se casou.
Entrevista publicada originalmente em http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2013/10/contardo-calligaris-fala-sobre-a-manutencao-do-casamento-e-a-importancia-do-sexo-entre-os-casais-4305419.html