Cultura Nova por Geraldo Maia
seus processos históricos e suas presenças no universo, explicar ou defender
seus modos de vida.
A cultura perpassa todo o corpo social no sentido da
construção das estruturas e está presente em todos os estágios da vida social,
desde a organização de quilombos à construção de uma usina termoelétrica.
Na
última Bienal do Livro da Bahia, a Empresa Gráfica da Bahia (EGBA) montou em seu
estande uma “FÁBRICA DE LIVROS” onde, graças à tecnologia digital de impressão,
era possível imprimir qualquer livro em poucas horas com a mesma qualidade dos
modernos sistemas em “off-set”, isso para pequenas tiragens de 20, 50, até 200
exemplares com um custo relativamente acessível a qualquer um que queira iniciar
ou prosseguir a carreira de escritor.
Agora, como essa tecnologia nova o
escritor (ou pretendente) pode mandar imprimir a quantidade de livros que já
vendeu aos amigos ou que foi encomendada por uma empresa sem precisar fazer um
grande investimento. Então, “impressão por demanda”, “pequena tiragem”, “edição
personalizada”, “tecnologia digital”, “faça-você-mesmo” , livro eletrônico,
“scrap book”, mercado informal, “mídia pirata”, tudo isso faz parte da Cultura
Nova que está sendo processada em torno e dentro de cada um nós, queiramos ou
não.
O que antes era “produção em massa” agora está sendo “produção por
demanda”, “personalizada”, “individualizada”, “peça por peça”, não só de cunho
artesanal mas de alta tecnologia. O mundo torna-se cada vez mais segmentado:
mala-direta, entrega individual, telecompra, produção por demanda, tudo isso
para atender à proliferação de pequenas tribos e grupos minoritários até então
sem poder de voz e expressão, desde os solteiros, idosos, gays, índios,
quilombolas, “povo de santo”, sem-terra, sem-teto, sem-emprego, sem-partido,
sem-pátria, enfim, uma diversidade cada vez mais ampla e minimalizada de
culturas, raças, credos, crenças, ideologias, sexos, minigrupos de pessoas que
estão revolucionando a economia e a tecnologia porque criam e utilizam pequenos
meios de produzir diferenciação continuada fazendo com que a produção em massa
vá se tornando cada vez mais defasada e obsoleta.
A Cultura Nova é mais
inclusiva e pluralista porque exclui mais o que é uniforme, padrão, repetitivo,
sectário, massificante, estressante, careta, burocrático, vertical, autoritário
e inclui o que é mais criativo, inovador, horizontal, diferenciado, cognitivo,
afetivo, prazeroso, poético, individual, regional, tribal, ancestral, vertical,
operacional, realizador, solidário, facilitador, etc.
A Cultura Nova, do
Milênio Novo, valoriza e utiliza a multiexpressão das inteligências, a
habilidade no trato com símbolos, imagens, abstrações, o domínio da fala, do
gesto, da lógica, da emoção, a habilidade no trato com o computador e com o
outro, com o vídeo e com os conflitos, com as mídias e as diferentes atitudes
com relação ao trabalho, ao sexo, ao amor, à nação, ao prazer, à autoridade, à
educação, à política, à produção, etc.
A Cultura Nova incorpora um universo
que até então foi mais desvalorizado, humilhado, marginalizado, desprezado e
menos remunerado, principalmente nas populações tradicionalmente excluídas e
minoritárias.
Pontualidade, obediência a uma autoridade central, única,
burocrática, a postura subserviente e resignada com relação à rotina e ao
trabalho repetitivo e mecânico, tudo isso está sendo excluído ou minimizado na
Cultura Nova que se utiliza bem mais de habilidades cognitivas e afetivas, da
educação e da poesia, da engenharia e da ecologia, da condição de
adaptabilidade, flexibilidade, da capacidade de trabalhar para múltiplos eixos e
ao mesmo tempo atuar como eixo.
Estamos no bojo e na realização do incremento
de uma cultura mais da curiosidade e da dúvida, da necessidade de saber o porquê
e o que acontece em torno para opinar e de alguma forma poder contribuir e
influenciar, mudar, revolucionar a cada instante, decidir, ponderar, refletir,
resolver e operar em meio ao conflito, à crise, à desordem, ao medo e à
violência. É o limiar e a expansão de uma cultura que contempla mais a
experiência em áreas diferentes e a capacidade de influenciar de uma pessoa para
outra e que dispensa o teórico especialista num só sentido.
A cultura ora em
gestação no interior de cada pessoa e na comunidade planetária prefere trabalhar
com pessoas conciliadoras e mediadoras, que servem de intérpretes de diversos
interesses conflitantes no sentido de melhor resolvê-los e necessita de
pioneiros e visionários, sonhadores e de um número nunca pensado de poetas, de
criadores e inventores, dos que anseiam (como Maiakowsky) pelo futuro aquiagora.
Mas a Cultura Nova não é monopólio de alguma nação, grupo racial, étnico,
religioso, político, sexual, etc. Ela permeia todas as culturas e é assim que se
origina porque é a expressão da quebra dos monopólios e o crescimento da
multiplicidade de poderes, ideologias, religiões, partidos, modos de vida e de
produção. É um caleidoscópio dinâmico de registros culturais minoritários até
então sem vez e voz e está sendo trançada nas redes eletrônicas, nas posses e
assentamentos, nas rodas de leitura, nos pontos de cultura, nos teclados e
vídeos, nas ações comunitárias, nas contações e escritos que a memória lavra.
A Cultura Nova também combate de forma sistemática e lúdica o analfabetismo
total, funcional e titulado através de ferramentas convivenciais que a todo
momento estão sendo criadas de modo que o simples uso das mesmas implique nesse
combate. Já podemos encontrar jogos eletrônicos que disparam sílabas e sinais de
pontuação com prêmios às suas corretas aplicações. Centenas de novos
instrumentos de ensino de alta tecnologia (como os utilizados em tele e
videoconferências) começam a ser disponibilizados para viabilizar a erradicação
dos diferentes tipos de analfabetismo (mental, emocional, espiritual, etc).
Outro aspecto importante da Cultura Nova é o redescobrimento por parte de
grupos tradicionalmente excluídos de suas histórias, memórias, origens e
ancestralidades como imprescindível no processo de resgate da auto-estima, do
sentimento de pertencimento, e da autonomia, da auto-inclusão, da recuperação e
afirmação da dignidade ultrajada, rompida, exilada. A Cultura Nova, portanto,
também significa a possibilidade efetiva de expressão e valorização de todas as
culturas até então oprimidas, inferiorizadas, desvalorizadas, oprimidas. E tem
como principal característica a sua dimensão multicultural e policêntrica em
permanente mutação.
Daí a importância da atividade cultural para a evolução
revolucionária da espécie humana, e tudo que dificulte, minimize, ignore,
desdenhe, deforme, desvalorize, agrida as variadas formas de fazer cultura está
fadado ao mais retumbante fracasso, à mais obscura lata de lixo da história.
Geraldo Maia
Poeta e crítico cultural.