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Decisão do TPI contra Netanyahu é inédita e deve ser comemorada. Por Carol Proner

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Artigo publicado originalmente no Brasil 247

“Mesmo que a decisão tenha limites para ser cumprida, é fato que o mundo está menor para os agora fugitivos. Suas fotografias passaram a figurar nas fronteiras”

A decisão do Tribunal Penal Internacional (21/11/24) de emitir mandado de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, contra o ex-ministro de defesa israelense, Yoav Gallant e contra o comandante militar do Hamas, Mohammed Deif, era aguardada com expectativa por defensores de direitos humanos do mundo inteiro, e pode ser comemorada por fixar precedente inédito quando à responsabilização de um dirigente de país ocidental.

O Tribunal considerou ter motivos razoáveis para acreditar que Netanyahu, Gallant e o comandante militar do Hamas, possivelmente já assassinado, portam a responsabilidade penal pelo cometimento de crimes de guerra, utilizando a fome como método de guerra (starvation crime), bem como crime contra a humanidade, por meio da morte, perseguição, tratos inumanos, e a supervisão de ataques intencionalmente dirigidos contra a população civil.

Certamente o TPI não será capaz de inibir ou interromper a terrível ofensiva militar de Israel contra o povo palestino, mas não se pode negar a importância da decisão com efeitos não apenas jurídicos, mas também políticos e geoestratégicos. 

Justamente por isso é que gerou imediata reação de repúdio por parte do governo de Israel e de aliados, como os Estados Unidos, que consideram que o TPI perdeu a credibilidade ao se comportar como incitador do antissemitismo e estar a serviço de extremismos e da insegurança que prevalece no oriente médio. 

É sempre espantoso que Israel escolha confundir sionismo com semitismo para, mais uma vez, escorar a violência extrema a partir de um argumento de discriminação étnica. Esse contrassenso torna ainda mais perverso quando a memória da Shoah, a contrário senso, serve para matar, perseguir e eliminar pessoas, mais de 45 mil mortos, 70% entre civis mulheres e crianças.

Outro ponto que desagradou especialmente os acusados foi colocar sob o mesmo plano representantes de um suposto país democrático e um líder terrorista. De um lado, um país que se construiu sob os escombros da perseguição e da miséria da Segunda Guerra, e que triunfou. De outro, um líder terrorista sem história, descontextualizado da causa palestina.

A pressão internacional junto aos juízes do TPI para desestimar a expedição do mandado de prisão internacional foi imensa, especialmente contra o Procurador-Geral Karim Khane, devendo ser estudado como um grave caso de intimidação contra altos funcionários de organizações internacionais e, também por isso, a decisão é uma vitória da integridade sobre o medo.

Em perspectiva, portanto, pela primeira vez o TPI responsabiliza um dirigente ocidental diante da inevitável constatação de crimes de guerra cujas provas se acumulam e demonstram que, mesmo com reiterados apelos da Comunidade Internacional, o comando militar escolheu cometer um genocídio ininterrupto, que dura mais de 13 meses, e com alto grau de perversidade e covardia.

Estamos todos fraturados de horror diante de tudo o que ocorre em Gaza e nos resta pouco a fazer senão reagir, como pessoas, como entidades, organizações e governos diante da ousadia que representa o descumprimento de decisões como esta do TPI.

Mas é importante ressaltar que tais crimes não prescrevem e que contra fatos não há argumento. Os crimes estão absolutamente documentados pelas agências da ONU de modo que a decisão do TPI é também o registro histórico de um massacre continuado. 

Além disso, e mesmo que a decisão tenha limites para ser cumprida, é fato que o mundo está menor para os agora fugitivos. Suas fotografias passaram a figurar nas fronteiras de todos os países, bem como nos computadores da Interpol, e cedo ou tarde, o direito internacional prevalecerá sobre a miséria da guerra.

Carol Proner

Doutora em Direito, professora da UFRJ, diretora do Instituo Joaquín Herrera Flores – IJHF

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