É golpe de estado e quem diz é o STF, por Diogo Costa
Antes de iniciar o texto gostaria de dizer que seria muito importante que o mesmo chegasse ao conhecimento de José Eduardo Cardozo, de Dilma, dos Ministros do STF, da OAB e dos senadores. Dito isso, vamos a ele.
Há uma semana o STF decidiu – de forma absolutamente correta – que um candidato a prefeito não pode ter a sua candidatura impugnada no âmbito da Lei da Ficha Limpa em função da reprovação de suas contas governamentais. Reprovação esta feita pelo Tribunal de Contas competente.
O caso decidido tem repercussão geral (ou seja, vale para todo o país).
É uma decisão absolutamente correta pois a Constituição é nítida e cristalina: o parecer de um Tribunal de Contas (seja ele municipal, estadual ou da União) é meramente opinativo. Quem tem a competência para aprovar ou reprovar as contas de um prefeito, governador ou presidente é o Poder Legislativo (no caso de um prefeito, a Câmara de Vereadores).
A situação é a seguinte: um prefeito ‘A’ teve as contas do exercício de 2015 rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Este prefeito não pode ter a sua candidatura de reeleição impugnada em função disso e somente vale o parecer do TCE se a Câmara de Vereadores o confirmar (pode confirmar ou rejeitar o parecer).
Expliquei tudo isso para chegar agora ao que penso ser fundamental:
O golpe de estado em curso baseia os seus discricionários atos em alguns decretos e na execução do Plano Safra. Ambos os fatos citados como justificativa para o golpe aconteceram em 2015. Notem que o TCU (Tribunal de Contas da União) sequer apresentou um parecer aprovando ou rejeitando as contas de Dilma em 2015.
Mesmo se o TCU tivesse apresentado um parecer pela rejeição das contas de 2015, somente e tão somente o Congresso Nacional, em sessão conjunta e depois de análise pela Comissão Mista de Orçamento (como determina a Constituição), é que tem o poder de aprovar ou não o parecer e as respectivas contas.
Dilma está sendo cassada em função de algo sobre o qual não há sequer um parecer do TCU. E mesmo se tivesse, repito, este parecer só teria validade após análise e deliberação da Comissão Mista de Orçamento e, posteriormente, do Congresso Nacional.
Como é possível que o STF defina que um prefeito tem todo o direito do mundo de se candidatar, ainda que um Tribunal de Contas rejeite as suas contas governamentais, e ao mesmo tempo permita que uma presidenta da república seja apeada do poder sem que sequer haja apreciação das contas de 2015 pelo TCU?
A decisão do STF, do dia 10 de agosto último, é exemplar no caso dos prefeitos. Cumpre de forma fiel o que está escrito na Carta Magna. E confirma, paradoxal e indesmentivelmente, que a legal e legítima presidenta eleita e reeleita pelo povo brasileiro, Dilma Rousseff, está sofrendo um golpe de estado (com a anuência inexplicável do mesmo STF?).
Vejam bem: um prefeito pode se candidatar e não se pode mais falar em inelegibilidade do mesmo sem que a Câmara de Vereadores analise um parecer de reprovação de contas do Tribunal de Contas do Estado. Portanto, sem a análise do Poder Legislativo sobre o parecer do TCE, o mesmo não tem validade nenhuma.
Com Dilma se faz exatamente o contrário e o STF, abraçando o cúmulo da contradição, nada move para conter esse estupro da Carta de 88.
Com Dilma inexiste qualquer decisão do TCU sobre as contas de 2015. E mesmo se tivesse, repito novamente, seguindo a correta interpretação constitucional do STF, somente o Congresso Nacional, apreciando relatório da Comissão Mista de Orçamento, é que poderia aceitar ou rejeitar este parecer do TCU!
Aliás, não custa lembrar que as contas de 2014 do governo Dilma, que foram reprovadas pelo TCU, não constam no pedido golpista de impedimento que por ora se examina. Já as contas de 2015, sobre as quais não se tem nenhuma deliberação, servem de muleta para a intentona (é surreal e kafkiano).
Com relação às contas de 2014, pelo menos a Comissão Mista de Orçamento começou a analisar a deliberação do TCU (o relator da matéria, senador Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia, apresentou um relatório contrariando a deliberação do TCU e pedindo a aprovação das contas de Dilma no ano de 2014). Infelizmente, e graças a ação da escumalha de delinquentes chefiada por Eduardo Cunha, o relatório de aprovação das contas de Dilma no exercício de 2014 nunca foi votado na referida Comissão.
Temos, portanto, um fato que é incontornável. O STF, ao preservar acertadamente a plenitude dos direitos políticos dos candidatos a prefeito em todo o território nacional, apontou o seguinte:
1. Não há que se falar em cassação da cidadania e dos direitos políticos de um candidato a prefeito e tampouco na inelegibilidade do mesmo com base em mero relatório de desaprovação de contas feito por um TCE;
2. Cabe somente ao Poder Legislativo (Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional) a deliberação final sobre a aprovação ou desaprovação de contas governamentais;
3. Um parecer de Tribunal de Contas só tem validade se o Poder Legislativo o confirmar. Caso contrário não passa disso, de mero parecer;
4. Um candidato preserva integralmente seus direitos políticos mesmo que tenha suas contas rejeitadas pelo respectivo Tribunal de Contas que as analisou. Só perde estes direitos políticos se o Poder Legislativo corroborar o parecer do Tribunal de Contas.
Nada disso é novidade e qualquer estudante do quarto semestre do curso de Direito, fazendo a primeira cadeira de Direito Constitucional, sabe disso desde sempre.
Senhoras e senhoras e Ministros do Supremo Tribunal Federal, não há uma única justificativa no Universo que de guarida para a cassação de um mandato popular conquistado nas urnas com base em questões meramente contábeis (alguns decretos e o Plano Safra – cuja execução sequer passa pela presidência da república).
E menos ainda quando se sabe que os motivos alegados pelos defensores do golpe referem-se a atos supostamente praticados em 2015, exercício para o qual não há sequer manifestação do TCU.
E muito menos ainda quando se sabe que mesmo que o TCU tivesse se pronunciado pela rejeição das contas do exercício de 2015 esse parecer só teria validade após a Comissão Mista do Orçamento analisar o caso e após o Congresso Nacional, em sessão conjunta, votar pela rejeição das contas.
E muitíssimo menos ainda quando se sabe que as contas presidenciais de 2014, rejeitadas pelo TCU e aprovadas pelo relator da Comissão Mista de Orçamento, sequer foram votadas na respectiva Comissão e nunca chegaram, obviamente, a ser analisadas em sessão conjunta pelo Congresso Nacional. Ou seja, e de acordo com a interpretação do egrégio STF, a reprovação das contas de 2014 não tem validade nenhuma (as contas de 2015 sequer foram analisadas!).
O golpe de estado está escancarado. É algo que o mundo inteiro vê estarrecido. É algo que fere de morte a democracia, vilipendia a soberania do voto popular e que viola, até onde a vista alcança, o exato entendimento da mais alta corte do país.
Não há crime de responsabilidade sendo analisado. O que há é uma conformação de maioria parlamentar ocasional, que passa por cima da lei e da Constituição sem pudor algum.
É admissível que um prefeito possa concorrer mesmo que tenha suas contas governamentais rejeitadas por um Tribunal de Contas Estadual? Evidentemente que sim. Isso está previsto na Carta de 88 e o STF corroborou essa interpretação de forma inafastável.
É admissível que um presidente da república sofra um impedimento e tenha seus direitos políticos cassados mesmo que o TCU sequer tenha analisado as contas do exercício de 2015?
Ou, noutra hipótese, é admissível que um presidente da república sofra um impedimento e tenha seus direitos políticos cassados mesmo que o TCU tenha rejeitado as suas contas? É nítido e cristalino que não. Não é admissível porque um parecer do TCU não tem valor algum se não for corroborado pelo Poder Legislativo (isso é o que nos diz a Constituição e o STF).
Dilma Rousseff está sofrendo um golpe de estado e o STF sabe perfeitamente disso. Resta saber se os doutos magistrados irão contradizer a si próprios e se farão ouvidos moucos para o violento atentado contra a democracia que estamos presenciando.
O STF acertou com os prefeitos e sem querer apenas confirmou que Dilma está mesmo sofrendo um torpe golpe de estado. É humanamente impossível dizer o contrário disso segundo a interpretação do próprio Supremo Tribunal Federal.
Não é a toa que o mundo inteiro percebeu há bastante tempo que há algo de podre no Reino da Dinamarca.
Para fechar, apenas peço que não venha algum “entendido” falando que se está cumprindo todos os “ritos” no processo golpista do impedimento.
As ordálias medievais, os processos estalinistas e os processos nazistas também cumpriam, da maneira mais minuciosa e detalhada possível, as burocráticas formalidades legais.
Não se trata de rito e sim do mérito da questão.
Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/blog/diogo-costa/e-golpe-de-estado-e-quem-diz-e-o-stf-por-diogo-costa