Economia e a rádio CBN: má fé ou incompreensão? por Ceci Juruá*
Na ânsia de demonizar o governo Dilma, a rádio CBN parece não ter limites.
Depois de muito bradar por mudanças na economia, entre as quais aumento dos juros para conter a inflação, apressa-se agora em afirmar que a decisão de elevar 0,25% na taxa SELIC contraria as promessas de campanha de Dilma. Na verdade esta formulação contém um duplo equívoco, como se demonstra a seguir.
Para um economista, qualquer que seja sua filiação ideológica, a taxa que interessa ao investidor, é a taxa real de juros, isto é aquela que desconta a inflação do período. Nessa ótica, a recente decisão do Banco Central apenas corrigiu monetariamente a SELIC, a fim de preservar o nível real dos juros pagos, mas também dos juros recebidos pelo Tesouro. Com SELIC em 11,25 e inflação anual medida pelo IPC em 6,7%, a taxa real de juros, ao ano, está em 4,55%. Contrariamente portanto ao que informa a CBN repetidas vezes ao dia, a correção que acaba de ser feita não sinalizou aumento da taxa real, mas tão somente um reajuste frente à inflação constatada.
Em matéria de inflação, a CBN também demonstra fraca memória ou incompreensão. Joga toda a responsabilidade sobre o Estado, o Governo, desconhecendo a influência da desvalorização cambial sobre o reajuste dos preços internos. Ora, justamente aí tem consistido o brilhantismo da gestão de Guido Mantega à frente da Fazenda. A partir de 2011, o maior êxito de sua gestão consistiu em sustentar a desvalorização cambial, que até agora ficou em torno de 50%, sem maiores alterações no regime de metas de inflação. Fato inédito em nossa recente histórica econômica.
Como afirma em entrevista o ex-ministro Delfim Neto, nossa “indústria estava sendo destruída por uma valorização do câmbio que primeiro roubou sua demanda externa, depois roubou a interna.” (DELFIM NETO, entrevista dada a Érica Fraga, FSP/02-11-2014). Está certo Delfim, e por isto se deve considerar benéfica a desvalorização cambial dos últimos 3 anos, apesar dos efeitos inflacionários.
Tampouco o descumprimento das metas fiscais em 2014 deve ser visto como imperícia. Pelo contrário, sua ocorrência justifica-se pela prioridade que o Governo atribuiu ao objetivo, justo, de sustentar o nível de emprego, e o fez com êxito. A ampliação da dívida pública que deve resultar da incapacidade de realizar, neste ano, a meta de superávit primário é perfeitamente suportável, frente à redução já obtida na dívida líquida, que caiu de 80% para 35% do PIB, no período 2002-2014. Se houver neste ano um aumento modesto, de 35% para 38%, para compensar o déficit nominal, mesmo assim permanecerá confortável a situação das contas públicas brasileiras.
Surpreende, no entanto, que a CBN não divulgue, ou apenas o faça raramente, aquele que pode ser considerado o maior problema da economia brasileira na atualidade – a sangria nas contas externas do Brasil, em razão de gastos improdutivos no exterior e das remessas de lucros, juros e dividendos. Do déficit total nas transações correntes em 2014, que se prevê atingir a soma de US$ 80 bilhões (cerca de R$ 192 bilhões e 3,5% do PIB), mais da metade é proveniente dos dois itens citados – viagens internacionais e remuneração de capitais estrangeiros.
É ilusão pensar que o déficit de transações correntes possa ser compensado por aumento da poupança doméstica, como sugerem analistas e agências internacionais. Pois enquanto o déficit é feito em divisas – dólar, euro ou outras -, a poupança interna se faz em reais. A compensação sugerida é inviável. Mas disto não se fala, a CBN cala e a opinião pública brasileira desconhece. Porque, afinal de contas, enfrentar este problema exige desafiar a livre circulação de capitais e limitar a remessa de divisas para o exterior, nos termos propostos por Getúlio Vargas e João Goulart, expressos na Lei 4.131 de 3-09-1962, com as devidas atualizações requeridas pelas atuais condições econômicas e políticas.
A sugestão de Delfim Neto para o déficit das transações correntes, na entrevista citada, é que multipliquem os incentivos às multinacionais instaladas no Brasil, para que elas exportem mais produtos industriais e ampliem sua integração nas cadeias produtivas da economia mundial. Mas, esclarece ele, para tanto é necessário garantir o respeito aos contratos, à política cambial em curso e não fazer exigências de conteúdo nacional frente aos imperativos da produtividade! É um ponto de vista que merece reflexão e debate. Importante é que nessa entrevista o ex-ministro recoloca o problema nos devidos termos e define com clareza o que deve, ou deveria constituir o centro dos debates na atualidade, na direção contrária ao que faz a CBN.
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*Economista, doutora em políticas públicas pela UERJ, Rio de Janeiro, 02-09-2014