Aldeia Nagô
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Eu, Jard’s e Leguelé. Por Jorge Papapá

2 - 3 minutos de leituraModo Leitura

No fim dos anos 70, quando o Brasil ainda respirava entre riso, fumaça e resistência, fui convidado pra cantar no FAN – Festival de artes do Natal. E como ninguém é doido de viajar sozinho pra uma empreitada dessas, levei comigo o cantor e compositor Leguelé Marques, parceiro de palco, de gargalhada e de encrenca.

Naquele mesmo festival, outro grande nome da música brasileira também se apresentaria: Jard’s Macalé, o Jard’s, com aquele jeito dele de quem parece que já acorda vivendo um refrão. Depois do encerramento das apresentações, os três resolvemos sair pra jantar. Fomos parar no Chaplin, restaurante chique, logo ali no começo da Ladeira do Sol, com seu ar-condicionado gelando até os pensamentos e umas luzes tão fracas que a gente só via o que queria.

Sentamos. Pedimos algo pra beber. Tudo parecia dentro da normalidade até o Jard’s começar a olhar fixo pra camisa do Leguelé.

_Gostei dessa camisa aí…troca?

Leguelé nem pensou duas vezes:

_Troco.

E ali mesmo, no meio do restaurante lotado, os dois tiraram as camisas como quem troca segredos. E ficaram ótimos um com a camisa do outro – como já tivessem nascido assim.

Foi quando Jard’s, com a naturalidade de quem pede sal, tirou do bolso um baseado. Olhou pra mim primeiro, depois pra Leguelé, e perguntou:

_posso acender?

Eu fiquei entre o “não” e o “pelo amor de Deus”. Antes que minha boca decidisse, Leguelé respondeu com aquele sorriso sem nenhum compromisso com a paz mundial:

_Fogo na Babilonia!

Jard’s acendeu.

O cheiro subiu, fez curva, atravessou mesas, cutucou pescoços, atiçou sobrancelhas. Um “auê”, um “bafafá”, um “apaga, meu Deus, apaga”. Mas Jard’s nem ouviu – ou fingiu não ouvir. Seguiu baforando a massa com a tranquilidade de quem toca violão às três da manhã na varanda de casa.

Eu e Leguelé ? Seguimos o ritmo. Demos uns paus na bichinha, seguramos a onda e evitamos olhar demais pros lados pra não rir na cara de ninguém.

O jantar chegou, fumegando mais que o salão inteiro. E entre garfadas, gargalhadas e baforadas, a noite deslizou até virar história.

Quando nos levantamos pra ir embora, o gerente veio quase correndo – mas com um sorriso de quem quer resolver sem confusão:

_Senhores, obrigado pela presença. É uma honra receber pessoas como vocês.

Eu percebi que ele sabia quem Jard’s era. E, sabendo, preferiu não “queimar o filme” expulsando um grande nome, já na época, da nossa música. Preferiu fazer vista grossa.

E assim Saimos, três artistas meio tontos, meio felizes, completamente vivos naquela noite sui generis de Natal.

Houveram outras maluquices antes e depois, mas aquela…aquela ficou soprando feito fumaça boa nas paredes da minha memória.

Jorge Papapá é cantor e compositor.

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