Filme de José Walter Lima entra em cartaz e revira o país pelo avesso. Por Albenisio Fonseca
Muito mais que uma crônica trágica da história moderna e contemporânea do país – uma ópera viva, estilhaçada; um manifesto. Sim, tão antropofágico quanto o de Oswald de Andrade, sob a égide épica do resgate da epopeia fílmica de Glauber Rocha, revisitada e ampliada.
Após a concorrida pre-estreia dia 11, no Cinesystem Frei Caneca, em São Paulo, sob o ato político “Cinema contra o fascismo e a barbárie”, o filme tem lançamento em âmbito nacional no dia 14. Em Salvador, a estreia acontece dentro do Circuito de Artes, no Cinema do Museu Geológico, no Corredor da Vitória, às 18h30 e 20h30, com estacionamento grátis no MAB-Museu de Arte da Bahia. Também no Cine Glauber Rocha, às 19h10. Na sexta-feira, 15, às 17h20, entra em cartaz no Cine MAM, onde permanece às 19h15, nos dias seguintes.
O certo é que ninguém escapará ileso dessa sessão de cinema em mescla com as linguagens teatral, musical e plástica a nos circunscrever sem o distanciamento brechtiano. A história de “Brazyl – Uma Ópera Tragicrônica”, narrada em imagens que nos atravessam a pele e eclodem as consciências, como diríamos de um certeiro soco no estômago de toda desapercebida ingenuidade e na nossa frágil cidadania a transitar no fio da navalha.
A um só tempo, o corte, a ruptura e a sutura – enquanto conjunto de manobras realizadas para unir tecidos com a finalidade de restituir a anatomia funcional das mil e uma faces desses tantos brasis.
Isso a significar o quanto o sucesso do impacto dessa recomposição e desvelamento dos fatos e seus conflitos, envolve não apenas o aspecto estético visual, mas a funcionalidade da verdade escancarada da história, revolvida na superfície áspera da cicatriz exposta.
Sim, qual delírio recortado do imaginário e gravado nesse tecido social, finalmente suturado pelo cineasta e dramaturgo baiano José Walter Lima em sua mais recente investida cinematográfica. Uma abordagem sob o espírito da vanguarda, mobilizada contra o fascismo e a barbárie.
O desempenho dos atores, por si só, também é impactante. Anote esses nomes: Lucas Valadares, Clara Paixão, Rosana Judkowitch, Vanessa Carvalho, Wagner Vaz, Clovys Torres.
“Brazyl – Uma ópera tragicrônica”, é mais provocativo do que se há de imaginar: Escaldante. Tórrido. Hilário. Sarcástico. Fulminante. Tal qual uma cacetada na moleira, o desmantelo, na cara? Eis a ópera brasiliana da decadência fulgurante.
O que se verá nas telas é um filme que reinventa a cena cinematográfica do Brazyl, significado em si, sobre a própria grafia ou sua nomenclatura. Com Z e Y. Experimental. De autor. Sob o hálito da “Boca do lixo”. Para além do conceito do “Cinema Marginal”.
Onde se busque estilo, José Walter Lima nos contempla com a denúncia, grave, de uma realidade em estilhaços e acrescido de um rap, ilustrado pela artista plástica Lílian Morais com uma estética da crueldade cotidiana no país e enfatizado pelo refrão: “Sim, todos sabem o quanto a coisa é séria / nós sabemos quem são os causadores da nossa miséria”.
Em tom radiofônico: o que trazemos até vocês, senhoras e senhores, é isto: “Brazyl – Uma Ópera Tragicrônica”. Desde já, recomendamos: apertem os cintos. O que vocês verão, conforme o próprio diretor, é “um filme-manifesto; “uma jogralesca política sobre os causadores da nossa miséria; um impactante tapa na cara da República dos Canalhas”.
Carregado de “fragmentos nucleares sobre o império da corrupção e da bala perdida, um discurso delirante sobre o Brasil contemporâneo”, como estipula o cineasta. Em meio ao luxo descabido, o lixo sem limites de uma sociedade degradada.
De acordo com José Walter Lima, o longa-metragem é uma mescla das linguagens ficcional, teatral e cinematográfica. “Reflete parte da nossa realidade social e política, refazendo e pontuando episódios importantes desde a década de 30 do século XX até os dias atuais, num caminho que compreende a interrupção da democracia sob a ditadura militar (1964 – 1985) até o processo de redemocratização do país, notadamente os descalabros dos governos Temer e Bolsonaro”.
“A produção do filme durou dois anos e acompanhou o fim da pandemia e do governo do presidente Jair Bolsonaro. A ascensão da extrema direita no Brasil foi um estímulo para o argumento da obra”, ressalta. “O longa – segundo ele – é uma panorâmica desse país que é dominado pela injustiça social e por uma elite colonizada que não abre mão de nada”.
O diretor, em sua ampla atuação como cineasta e produtor cultural, conceitua “Brazyl” como “uma narrativa ficcional inspirada em fatos reais, através de um manifesto épico delirante sobre o Brasil contemporâneo, um zeitgeist – o espírito de uma época e suas raízes históricas – encharcado de coca-cola e hipocrisias”.
Conforme Lima, em seu roteiro e adaptação do texto cênico “Brazyl: Poema Anarco-tropicalista”, montado, em 2019, no Teatro Oficina, em São Paulo, o filme, como a peça, “promove uma leitura fragmentada da antropofagia de Oswald de Andrade”, a demonstrar a retórica do ódio predominante “em uma nação já espoliada pela classe dominante e pelo capital internacional”.
José Walter Lima, além de cineasta e dramaturgo, é artista plástico e produtor cultural. Com inúmeros curtas e séries já produzidos, é dele, ainda, as direções de “Rogério Duarte, o tropikaoslista”, “Antônio Conselheiro, o taumaturgo dos sertões”, e a co-produção do longa-metragem “Dawson Isla 10”, direção de Miguel Littin, 2009, sobre a prisão dos ministros do governo Salvador Allende, do Chile, deposto por golpe de estado em 1973, entre suas produções mais recentes.
Brazyl – Uma Ópera Tragicrônica”, integra o projeto Distribuição de Longas Bahia, da Abará Filmes, do também cineasta Vítor Rocha, e conta com apoio da Lei Paulo Gustavo, via Secretaria da Cultura do Estado da Bahia