Flauta doce (block) soprano. Quem nunca teve uma? Por Tuzé de Abreu
Um dos meus irmãos antes dos 10 anos fez iniciação musical e tinha uma flauta destas.Não foi em frente , a flauta ficou rolando pela casa como brinquedo coletivo.
Passei a ficar com ela cada vez mais. Tive aulas de piano e tinha aulas de violão , mas nenhuma noção de flauta ,sax , ou qualquer instrumento de sopro. Meio por intuição , talvez observando outros , não sei , acabei descobrindo escalas e modos de tocar, sem porém usar nenhum sustenido ou bemol , o que não sei até hoje na flauta doce.
Mas ela virou uma mania. Eu a levava para toda parte, era aquele “chato da flauta”. Mais tarde tive umas aulas de sax com Tutty Moreno . Sim . O grande baterista que inicialmente foi trompetista , depois saxofonista (muito bom), somente mais tarde passando a tocar bateria, sendo hoje um dos melhores do planeta , sobretudo tocando samba. Digo isso sem medo de errar. Acontece que ele nunca teve tendência a ser marqueteiro nem “artista”. Foi e é um excelente operário da música, estudando diariamente.
Voltando à flauta , comecei a frequentar a Escola de Música da UFBA aos 14 anos em 1962, no curso básico (hoje chama-se extensão) fazendo matérias teóricas com Georgina Lemos e saxofone com o fagotista e pintor Adam Firnekaes. No segundo semestre deste mesmo ano, toquei profissionalmente pela primeira vez com Carlito e seu Conjunto no Pirajá Atlético Clube (não existe mais há anos), em Brotas (Salvador). Curiosamente na mesma festa houve o show de um grupo musical feminino chamado Les Girls cuja baterista e líder era Emília Biancardi, pessoa que veio a ser muito importante para a Bahia e para mim.
Mas , mesmo como estudante de sax, não largava a flauta doce na qual terminei adquirindo alguma habilidade improvisando no modo mixolídio, que não tinha a menor ideia do que era. Pra mim era “música nordestina”.Esta habilidade fez com que dois gigantes se aproximassem de mim, fazendo grandes transformações na minha vida.
O primeiro foi Walter Smetak que , vendo-me e ouvindo-me com aquela “aporrinhola” pra cima e pra baixo na escola de música, me chamou para improvisar na sua oficina , junto com outros “malucos”. Mais tarde foram surgindo os instrumentos dele, que a gente experimentava logo que eram feitos, todos tínhamos longas conversas sobre as possibilidades sonoras, Djalma Correia, baterista , percussionista e técnico de som fazia parte do grupo. Marco Antonio Guimarães (UAKTI), Guilherme Vaz, Eduardo Catinari, muitas outras pessoas, que não lembro também frequentavam a oficina( Gereba chegou um pouco mais tarde). Eu era um dos mais assíduos.
Nessa época o acordeonista , violonista , compositor e cantor Gilberto Gil aparecia bastante na TV como acompanhante de calouros , às vezes fazendo algum número solo, mas sobretudo apresentando seus “jingles” da Milissam , da Calba e das Lojas O Cruzeiro (sei todos até hoje).Era uma figura conhecida por todos na cidade. Antes ainda do “Nós, por Exemplo”, espetáculo que primeiro reuniu os futuros “Doces Bárbaros”. Um dia , um grupo jazz pop alemão veio tocar na Bahia, e um grupo de músicos baianos foi tocar para eles no auditório da nossa escola de música. Lembro que estavam Alcyvando Luz , Djalma, Perna Fróes e outros.
Eu vivia na escola de música. Quando não estava no colégio , estava lá. Poucos anos depois troquei a escola pelo Teatro Vila Velha, mais tarde o Vila Velha pelo ICBA.Mas , voltando aos músicos alemães, fui pra escola pra ver meus “ídolos” tocarem pra eles. Cheguei cedo e fiquei numa das salas de estudo improvisando no mixolídio como sempre.
A porta estava entreaberta. Muito concentrado na flauta , não vi que uma pessoa estava me observando. De repente a pessoa falou :”Não quer tocar comigo para os músicos alemães?”(não lembro se as palavras exatas foram estas, mas o convite foi este). Tomei um susto . Era Gilberto Gil , da televisão. Fiquei sem saber o que dizer, ele insistiu. Vamos. Fui. Foi uma emoção imensa improvisar “música nordestina” com aquele cara me acompanhando ao violão. Claro que ficamos amigos . Depois toquei com ele e outros num show na Sociedade Israelita, logo ele veio improvisar com Smetak, assim começou muita coisa…
Publicado originalmente no Facebook de Tuzé de Abreu, Músico
