Golpe em Honduras: A armadilha da mediação de Oscar Arias por Álvaro Montero
Ao colocar em cena a
figura do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, na negociação sobre o
golpe em Honduras, Hillary Clinton, em um evidente ato de astúcia e
perfídia, desloca o cenário do movimento democrático continental da
OEA, com a participação de governos democráticos, para o reduzido salão
da casa privada de Arias. Além disso, coloca o presidente Zelaya em um
ato de objetivo reconhecimento dos golpistas. A análise é do advogado
costariquenho Álvaro Montero Mejía, doutor em Economia Política pela
Universidade de Paris.
“Eu
sou o homem das dificuldades”, dizia Simón Bolívar. Era pois, o homem
das crises, das grandes contradições sem as quais não haveria nem
transformações sociais nem povos livres. E isso é precisamente o que se
anuncia ao largo de Nossa América, como chamava Martí aos povos do
subcontinente.
Transcorreram 50 anos desde o triunfo da
Revolução Cubana, a qual, desde seu nascimento, sofreu o embate
implacável das oligarquias nativas, encabeçadas pelo governo de turno
dos Estados Unidos, Durante estes 50 anos, o chamado “perigo comunista”
e Cuba foram sempre o insubstituível pretexto para reprimir as vozes
que exigiam o fim da opressão econômica, o fim das ditaduras e o fim do
saque de nossas riquezas naturais e humanas. Dezenas de milhares de
vidas promissoras foram cegadas na luta pela democracia, E ninguém
perdeu mais filhos do que o movimento progressista e de esquerda.
Agora,
o perigo se chama Hugo Chávez, que “ameaça destruir as democracias e
instaurar a ditadura”. Nos países menos democráticos do continente,
como é o caso da Costa Rica, onde quase não existem meios de
comunicação que permitam um debate social ampliado e de fundo, é
relativamente fácil ocultar a verdade e confundir milhares de pessoas
de boa fé.
Desta situação surgem como coresponsáveis, os
dirigentes de partidos progressistas que impedem ou atrapalham a
unidade de forças. Com isso, evitam que o movimento patriótico fale com
uma voz mais potente e penetrante.
O golpe de Estado em Honduras
incrementou a polarização em toda a América Latina e, particularmente,
na América Central. Mas essa polarização vem de antes. De um lado, a
irrefreável cobiça de uns poucos; de outro, os povos que aspiram à
democracia, à participação e ao bem estar. Para a desgraça da direita
mais extremista do continente, ocorreram, um após outro, triunfos
eleitorais de movimentos progressistas, que mudaram a face do
continente.
A América Central não foi uma exceção. Mesmo com
todas suas naturais diferenças, o pequeno enclave de nossas repúblicas
ístmicas representa um lugar estratégico da geopolítica mundial e a
chave de comunicação entre o oceano histórico do capitalismo que é o
mar Atlântico e o oceano fundamental do terceiro milênio que será, sem
dúvida, o mar Pacífico.
Neste sentido, a transformação do Estado
oligárquico de Honduras em uma autêntica nação democrática e
participativa, viria completar um quadro absolutamente inaceitável para
os potentados centroamericanos, indissoluvelmente aliados das grandes
corporações dos Estados Unidos. Era, pois, indispensável acabar com o
tímido, mas justo, esforço do presidente Zelaya para começar a
construir um Estado que, pela primeira vez na história de Honduras, se
preocupava com as necessidades fundamentais de seu povo.
Foi
assim que começou a se preparar o golpe. É sabido que os Estados Unidos
possuem um dos aparatos de inteligência política e militar mais
sofisticados do mundo. É sabido que o exército de Honduras respira
pelos narizes de seus assessores estadunidenses. Desde a década de
1980, chefiado por autênticos açougueiros, o exército hondurenho foi a
estrutura de base utilizada por Reagan e Bush para sustentar as bases
militares dos “contra”, em território hondurenho e no norte da
Nicarágua. Este mesmo exército colaborou com a CIA no traslado e venda
de drogas, para financiar a guerra suja contra o sandinismo. De modo
que nem uma folha de papel se move no exército hondurenho sem o
conhecimento dos oficiais de inteligência dos EUA.
Por sua
parte, Oscar Arias não tem um corpo oficial de inteligência regional,
mas possui um que pode superar tal ausência com vantagens. É necessário
assinalar que a Costa Rica tem sido até agora um centro privilegiado de
investimentos financeiros e empresariais dos mais poderosos capitais
centroamericanos. Potentados bancários, donos de meios de comunicação,
fazendeiros, investidores imobiliários, industriais e comerciantes,
deslocaram gigantescas somas de recursos e converteram-nas em
promissores investimentos em nosso país. O veículo fundamental desse
processo foi o governo dos irmãos Arias. De modo que não existe nenhuma
angústia, preocupação ou festejo da nova oligarquia centroamericana que
não seja compartilhada com o atual governo da Costa Rica.
A quem
então pretendem convencer que a CIA e o governo dos Arias não conheciam
o propósito golpista que se tramava em Honduras? Felizmente, a resposta
continental e mundial ante o golpe foi unânime. Isto colocou em má
posição os porta vozes da direita na América Latina e em outros lugares
do mundo. No entanto, reagiram com rapidez. Recapitular isso aqui seria
muito extenso. No início, a CNN nem sequer falava de “golpe”. O mesmo
ocorreu na Costa Rica e no momento em que escrevo estas linhas, a
manchete do jornal A Nação fala dos presidentes “hondurenhos” e
ao pé da foto de Arias, relata que “após reunir-se com ambos
presidentes…etc”. Mas examinar o manejo midiático, parcial e
truculento, não é nosso objetivo imediato, mas sim o que temos chamado
de “a armadilha da mediação”.
Fica claro que são duas as forças
continentais que tiram proveito direto do golpe militar: a extrema
direita, civil e militar, dos Estados Unidos, e a nova oligarquia
centroamericana. Ainda assim, para esta última, mais importante que
resgatar Honduras “das garras do chavismo” é garantir a continuidade do
governo dos irmãos Arias e assegurar que a Costa Rica será, como até
agora, o paraíso financeiro e de investimentos construído ao longo dos
últimos anos.
Isso explica por que a senhora Clinton, em um
evidente ato de astúcia e perfídias, retira a discussão sobre o golpe
militar do lugar que o condenou desde o início, a OEA, e ao mesmo tempo
esquiva-se do compromisso e da atitude firme dos governos da América
Latina. Estes governos estão totalmente preparados para facilitar uma
mediação, se fosse o caso, a fim de garantir a preservação dos direitos
civis e políticos do povo hondurenho, a solução pacífica de qualquer
tipo de confrontação externa e, sobretudo, a restituição incondicional
de Manuel Zelaya ao seu cargo de presidente.
A OEA, neste
momento, está preparada ou não para cumprir essa obrigação. A resposta
é óbvia. A OEA está completamente preparada. De onde, então, aparece em
cena Oscar Arias? A resposta também parece óbvia. Com a proposta da
senhora Clinton se matam vários pássaros com um tiro. Vejamos:
atenua-se a qualificação de Roberto Micheletti como usurpador e novo
sátrapa de Honduras, que passa a ser chamado de “presidente”, com o que
se prolonga indefinidamente a situação; dá-se tempo às forças
oligárquicas de Honduras para articular uma recuperação de seu poder de
fato, social e político, e preparar a convocação de novas “eleições”;
coloca o presidente Zelaya em um ato de objetivo reconhecimento dos
golpistas; desloca o cenário do movimento democrático continental da
OEA, com a participação de governos democráticos, para o reduzido salão
da casa privada de Oscar Arias; traz à tona a figura de Oscar Arias
como um novo herói da paz na América Central, escanteando as forças
opositoras e garantindo a continuação indefinida do poder arista na
Costa Rica.
Compreendemos que a decisão fundamental sobre a
justiça social e a democracia está nas mãos do povo de Honduras. Em
momentos como este, coloca-se à prova a lucidez e a fortaleza dos
dirigentes sociais e das lideranças políticas. Nossos deveres, como
irmãos centroamericanos, são a solidariedade incondicional e a denúncia
das jogadas trapaceiras e dos propósitos ocultos daqueles que só servem
aos seus próprios interesses.
Álvaro Montero Mejía é advogado, costariquenho, doutor em Economia Política pela Universidade de Paris.
Tradução: Katarina Peixoto
Artigo publicado originalmente em www.cartamaior.com.br