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Judiciário precisa parecer mais com o povo brasileiro. Por Rachel Quintiliano

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Rachel_Quintiliano

As iniquidades podem ser observadas em todos os espaços da nossa jovem democracia, que inclusive passou por períodos turbulentos nos últimos 6 anos, desde o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.

Discutir democracia racial é essencial para fortalecer cada um dos poderes da República que constituem o nosso Estado Democrático de Direito e essa foi a proposta da primeira participação como comentarista no Giro das 11h, apresentado pela jornalista e escritora Camila França.Na edição de hoje (01/12), evidenciei as orientações da Década Internacional de Afrodescendentes e a pesquisa sobre equidade racial no judiciário, produzida pelo Conselho Nacional de Justiça, tendo como pano de fundo a indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

O Brasil é referência em políticas e estratégias de enfrentamento ao racismo e signatário de vários acordos internacionais, entre eles o plano de ação da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, promovida pelas Nações Unidas e realizada na cidade de Durban/África do Sul em 2001 e que influenciou a construção da Década Internacional de Afrodescendes (2015-2024).

Década Afro, convoca os países a acelerar esforços e assegurar os “direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos de pessoas afrodescendentes, bem como sua participação plena e igualitária em todos os aspectos da sociedade”, por meio de ações em três eixos: reconhecimento, desenvolvimento e justiça.

No que diz respeito à justiça, o objetivo é “adotar e reforçar os quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais conforme”.

Isso significa, entre muitas coisas, que o Brasil deve observar o seu sistema jurídico e promover ações para que o Judiciário se pareça mais com o povo brasileiro em sua diversidade.

Parte dessa tarefa vem sendo realizada pelo Conselho Nacional de Justiça ao investigar a composição étnico-racial de suas cortes. Contudo, o estudo recente (2023), destaca que o Judiciário brasileiro continua muito distante de um equilíbrio racial.

Diagnóstico Étnico-racial no Poder Judiciário demonstra que o nosso sistema de justiça é majoritariamente branco. Mais de 80% dos magistrados brasileiros são brancos (83,9%); enquanto 14,5% se declararam negros(as), sendo 1,7% pretos(as) e 12,8% pardos(as).

Situação similar pode ser observada entre servidores e estagiários. “[…] A maioria dos(as) servidores(as) também é composta de pessoas brancas (68,3%) e que 29,1% responderam que são negras, sendo 4,6% pretas e 24,5% pardas. Dentre os(as) estagiários(as), também há uma maioria branca de 56,9%; as pessoas negras somam 41%, sendo 10,3% de autodeclaração preta e 30,7% de autodeclaração parda”.

Por isso, um debate franco precisa ser realizado e a indicação de ministros ao STF se configura como uma oportunidade para mudar esse cenário.

Na última segunda-feira (27/11), o presidente da República anunciou a indicação do atual ministro da Justiça, Flávio Dino, para a vaga aberta com a saída da ministra Rosa Weber.

Infelizmente, não foi surpresa para ninguém o presidente Lula ter indicado (mais um homem) ao STF. De todas as indicações que Lula fez (10), apenas uma mulher, Carmem Lúcia e um homem negro retinto (Joaquim Barbosa).

Mas, o presidente já tinha dito que raça e gênero não pautavam sua escolha e sim competência e capacidade de “atender os interesses e expectativas do Brasil”.

Mesmo o presidente dizendo que não se pautava por raça e gênero, foi exatamente o que aconteceu. Involuntariamente, ao indicar mais um homem para ministro do STF. Afinal, branco é cor, é raça (nas relações de poder), assim como gênero.

Não enxergar uma mulher, especialmente se negra, para o cargo pode dizer muito sobre o quanto o governo está disposto a lutar em uma batalha secular contra o racismo e o machismo.

Enquanto escrevo, uma voz grita no meu ouvido: “O Flávio Dino não é branco! O Dino não é branco! Aceite como meio resultado essa indicação e pare de criticar o governo. Você será cancelada”.

É realmente uma pena o Brasil não enxergar ter uma mulher negra, com competência e capacidade de atender os interesses e expectativas do Brasil, para assumir o cargo.

É quase impossível projetar um futuro de justiça, mais igual em um cenário de 11 contra um. Ops, contra uma (Cármen Lúcia).

Enquanto isso, se quem tem poder não fizer uso dele para promover a igualdade, e se seguirmos nessa velocidade do hoje, levaremos mais de 100 anos para alcançar a igualdade de oportunidades, no mundo do trabalho e em muitos outros espaços.

Rachel Quintiliano é jornalista, com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal “Negra Percepção” no YouTube e é autora do livro ‘Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia‘.

Artigo publicado originalmente no Brasil 247

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