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Lula premiado na Unesco: a notícia que não estava lá por Gilson Caroni Filho

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Disponível em boas locadoras, O Homem que não Estava lá é uma lição de cinema. O excelente filme dos irmãos Coen, rodado em preto e branco, é programa obrigatório para cinéfilos exigentes. Mescla melancolia, absurdo e tragicidade em estilo refinado e contundente. Vale a pena conferir.






Sem
qualquer pretensão ficcional, os grandes jornais do eixo Rio- São Paulo não
deram, sequer nas dobras inferiores da capa, uma notícia que, pela relevância,
deveria ser objeto de destaque, com direito à análise de colunistas e menção em
editoriais: a concessão, pela Unesco, do Prêmio de Fomento da Paz Félix
Houphouët-Boigny 2008, ao presidente Lula. Novamente a constatação se impõe:
quando a informação deixa de se submeter a outro imperativo que não seja o do aprofundamento
democrático, a liberdade desejada se apresenta como sua própria contrafação.
 
O noticiário sobre o fato se resumiu a pequenas colunas nas páginas internas,
praticamente reproduzindo o comunicado do organismo da ONU. A TV Globo ignorou
totalmente o fato, evidenciando, mais uma vez, a clara partidarização que
define os critérios de noticiabilidade da emissora, e seu caráter de prestadora
de serviços a uma oposição que tem no denuncismo vazio sua única forma de ação.

 
Ora, se levarmos em conta que a narrativa midiática, desde 2003, segue o mesmo
diapasão, apresentando o governo como algo pontuado por descompassos entre
discursos e práticas, entre retórica e realidade, sem projetos nas áreas de
educação, saúde e infra-estrutura, a premiação do presidente deve mesmo
ocultada de todas as formas possíveis.
 
Afinal, mais que uma distinção honorífica a um chefe de Estado, que é definido
nas páginas como alguém que "se limita a requentar e rebatizar programas da
administração anterior", os motivos apresentados pelo júri expressam a
deslegitimação de um jornalismo que já não convence mais ninguém quanto a sua
alegada seriedade e isenção.
 
Quando o ex-presidente de Portugal, Mário Soares, diz que Lula foi escolhido
"por seu trabalho em prol da paz, do diálogo, da democracia, da justiça social
e da igualdade de direitos, assim como por sua inestimável contribuição para a
erradicação da pobreza e a proteção dos direitos da minoria", os nossos
escribas sentem que sua produção diária, mais uma vez, foi estilhaçada.
 
Sempre que lhes tiram o chão, rasgando os pés de quem anda na contramão da
história, os profissionais da imprensa de pequenos favores sabem que não lhes
restam saídas: ou baixam o teor de predisposição ideológica com que tratam a
figura do presidente ou continuam enquadrando a cobertura com o viés
partidarizado, classista, que tem transformado redações nos maiores celeiro de
ghost-writes da história republicana.
 
Produzir textos para terceiros- políticos conservadores, empresários e velhos
oligarcas- pode ser rentável, mas traz contratempos. O Prêmio de Fomento da Paz
Félix Houphouët-Boigny revela o que acontece quando o baronato midiático joga
suas fichas em um projeto que "vai muito além do papel de um jornal".
 
A conhecida promiscuidade da grande imprensa com o antigo bloco de poder
determina os enquadramentos noticiosos. Foi esse o critério editorial que
decidiu que a iniciativa da Unesco deveria ser a "notícia que não estava
lá".
 
A mais nova produção das famílias Marinho, Mesquita e Frias deveria ser rodada
em moderníssima tecnologia de impressão, mesclando esquecimento, desinformação
e uma aposta clara na cumplicidade do leitor.
 
E assim foi feito. Sem roteiro razoável, diálogos sutis ou reviravoltas
surpreendentes, o jornalismo nativo deu mais um passo para se afirmar como
"comédia de erros", gênero no qual parece operar com mais desenvoltura. Há
enormes chances de êxito. A corte costuma pagar bem a seus bobos mais notáveis.

Artigo publicado originalmente em www.cartamaior.com.br

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