Mãe é de graça. ou o mundo não é maternal por Martha Medeiros
É bom ter mãe quando se é
criança, e também é bom quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente
pensa que viveria melhor sem ela, mas é um erro de cálculo.
Mãe é bom em qualquer idade. Sem
ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal
conosco.
O mundo não se importa se estamos
desagasalhados e passando fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a
mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu,
não o nosso.
O mundo quer que a gente fique horas
no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um
apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a
gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa
aparência e estoure o cartão de crédito.
Mãe também quer que a gente tenha
boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes
e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue,
que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente.
Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que
treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos
para enfeitar ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O
mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de
bolo feito em casa.
O mundo quer nosso voto, mas não
quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos
pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não
pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e
qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de
infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro
emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica.
Quem com ferro fere, com fero será ferido. O mundo não quer saber de
indivíduos, e sim de slogans e estatísticas.
Mãe é de outro mundo. É
emocionalmente incorreta: exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente,
dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção.
Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as
nossas vontades, enquanto que o mundo propriamente dito exige eficiência
máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo.
Mãe é de graça.