Marina e o Brasil por por Juca Ferreira,
Os 20 milhões de votos conquistados pela
senadora Marina deram à sua candidatura uma aura de vitória, apesar de
ela ter ficado fora do segundo turno.
Marina se apresentou como uma
terceira via numa disputa eleitoral polarizada entre duas candidaturas
e, se não conseguiu evitar o plebiscito, como queria, os votos
na candidata verde empurraram a decisão para o segundo turno. A soma
desses votos foi maior do que a diferença entre os dois candidatos que
continuarão na disputa. Para além da aritmética e a existência de outras
motivações mais circunstanciais para o voto em Marina, esse resultado
trouxe para o primeiro plano a questão ambiental.
As mudanças necessárias em nosso projeto
de desenvolvimento não serão fáceis. A velocidade da incorporação de
padrões ambientais ainda é muito mais lenta do que a velocidade da
destruição. A sociedade brasileira, historicamente, todos sabem, é
ambiental e socialmente predatória. Desde quando éramos colônia
portuguesa, até os dias atuais, nós nos comportamos de maneira
perdulária, sem medir as conseqüências das nossas ações. Por outro lado,
somos a maior potência ambiental do planeta e com a maior
biodiversidade. A questão ambiental é global, interessa ao mundo e fará
parte da afirmação do Brasil na comunidade internacional.
O conceito de desenvolvimento
sustentável surgiu após a primeira reunião organizada pela ONU sobre a
crise ambiental, em Estocolmo, em 1972. O encontro terminou em um
impasse entre o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente ao
propor crescimento zero. Só anos depois, em 87, a ONU apresentou
alternativas para o impasse. O relatório "Nosso futuro comum", que ficou
conhecido como Relatório Brundtland, propõe o conceito de
desenvolvimento sustentável como estratégia e produto da ação consciente
de nossa relação com a natureza, eliminando e minorando os impactos
sobre ela, através do uso responsável dos recursos naturais.
O social e o ambiental se confundem no
cenário dramático das sociedades contemporâneas, especialmente nas
nossas, do hemisfério sul. Um país socialmente enfermo jamais será
ambientalmente saudável. O tema da sustentabilidade não pode evoluir sem
se associar a outros temas igualmente importantes da vida social e
política. É evidente a dificuldade que temos de influenciar a visão de
mundo, a sensibilidade e o comportamento da maioria dos brasileiros para
que incorpore padrões de sustentabilidade.
O país vive um momento mágico em que a
maioria da população está sendo incluída. Não cabe, por nenhum motivo,
desprezar a legitimidade dos sonhos e desejos dos milhões de brasileiros
que querem ter uma vida melhor. A grande força que o presidente Lula e o
seu governo conquistaram, em larga medida, resulta dessa incorporação
de milhões de pessoas ao processo de desenvolvimento econômico e social
do país. Antes do governo Lula, o desenvolvimento era visto apenas como
circulação de mercadorias, aumento da capacidade produtiva e
estabilização da moeda.
O Brasil enfrentará grandes desafios
para garantir a continuidade do processo político e a consolidação das
conquistas sociais do governo Lula. Marina poderá vir a cumprir um papel
importante, se fizer do seu capital político uma contribuição para esse
processo. Uma concertação em torno de questões programáticas
com a candidatura Dilma, que representa a continuidade do projeto
político de desenvolvimento com inclusão de todos os brasileiros, será
extremamente positiva e coerente com toda a história de vida e
trajetória política de Marina Silva. Ignorar esta possibilidade será
desperdiçar este momento especial.
Juca Ferreira
Ministro da Cultura
Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo.