Menosprezo pela nação Por Mauro Santayana
Os candidatos à Presidência da República e seus partidos têm o dever de
respeitar as instituições e, com elas, a nação. Cabe-lhes meditar a
República,
refletir em sua história, respeitar o seu povo. Não se apresentam ao
país para
uma experiência mas, sim, para reivindicar a mais alta missão a que pode
aspirar
um homem público. Ao apresentar-se, tendo em vista que a vida de cada um
de nós
é mera concessão do acaso, é do mandamento constitucional que seu nome
seja
acompanhado de um eventual substituto, o candidato à Vice-Presidência.
O
candidato à Vice-Presidência terá que ser uma pessoa preparada para, em caso de
vacância, ocupar o cargo com a mesma respeitabilidade e competência do
titular.
Memento mori, é a advertência dos velhos sábios. Todos nós
iremos morrer, e a morte chegará quando não saberemos. Em um segundo, estamos
vivos; no segundo seguinte já nada somos.
A Constituição de 1946
estabeleceu, sabiamente, que os vice-presidentes da República seriam eleitos
isoladamente. Partia-se da razão lógica de que sua escolha era tão grave quanto
a do presidente. Em qualquer momento, no caso de vacância do titular, o vice
assumiria ungido da mesma legitimidade popular do presidente. Foi assim que, nas
eleições de 1960, o povo escolheu entre Milton Campos, o candidato oficial da
UDN, que tinha como postulante ao Planalto o instável Jânio Quadros, e João
Goulart, o candidato da coligação PSD-PTB. Os eleitores elegeram Jânio e João
Goulart, preferindo o jovem herdeiro de Vargas ao político mineiro. "A que o
senhor atribui a derrota?" – um repórter de Belo Horizonte perguntou a Milton. E
ele, em seu ceticismo montanhês, respondeu com a voz resignada: "Ao fato de que
tive menos votos do que o outro".
Entre as alterações absurdas do período
militar houve a da eleição do presidente e seu vice em uma só votação, sob o
pretexto de que assim ocorre nos Estados Unidos. Mesmo ali, esse costume não é o
melhor. Uma das razões (e não a principal) da recente derrota republicana foi a
escolha da desconhecida governadora do Alasca, Sarah Palin, para companheira de
chapa de McCain. O candidato a vice-presidente só ocupará a Presidência,
efemeramente, no caso de viagem do titular ao exterior. Mas passará a ser
plenamente o chefe de Estado, no caso de impeachment ou no caso indesejável, mas
sempre possível, da morte do titular. Ao eleger, com o titular, o
vice-presidente, os eleitores estão escolhendo um presidente. Os candidatos à
Presidência da República ofendem a nação ao se pressuporem invulneráveis à morte
durante o mandato a que aspiram.
A situação escolheu o paulista Michel
Temer seu candidato a vice. Se Temer fosse candidato à Presidência, dificilmente
chegaria aos votos que obterá Marina Silva. A própria Marina Silva encontrou seu
companheiro de chapa, em financiador de sua campanha, um industrial, também
paulista, pessoa só conhecida entre seus amigos empresários. Agora, o PSDB,
depois de não conseguir administrar o desentendimento com os conservadores, a
eles se submete e aceita o nome do carioca Índio da Costa, deputado federal de
40 anos, indicado pelo ex-prefeito Cesar Maia.
Mais uma vez – e estamos
pensando, sim, no nó górdio de 1930 – os políticos de São Paulo, a fim de
conservarem a hegemonia sobre o país, perdem o bom-senso e, ao perdê-lo,
desprezam a nação. É preciso que a cidadania exija, nas ruas, se for necessário,
reforma constitucional que devolva ao povo o direito de escolher diretamente os
vice-presidentes, e, entre outras medidas, acabe com a esdrúxula figura dos
suplentes de senadores.