Mantendo a coerência. Por Dante Lucchesi |
Ter, 05 de Setembro de 2023 01:50 |
Porém, em editorial de 28 de agosto de 2023, o jornal O Globo atacou o pronunciamento do presidente Lula e defendeu enfaticamente a “legalidade da deposição de Dilma”, concluindo que “não cabe a ninguém tentar reescrever história do impeachment”. É crucial para as Organizações Globo e toda mídia capitalista tentar manter o controle da narrativa da história política, embora seja tarefa cada vez mais difícil, diante da crescente perda de credibilidade desses veículos de imprensa, em função de sua incoerência e evidente manipulação dos fatos. O editorialista afirma também que “os processos de impeachment têm natureza política” e que “o objetivo da deposição do governante não é puni-lo, mas tão somente proteger o Estado da má gestão”. Além de caber a pergunta “má gestão para quem?”, deve-se observar que a Globo expressa mais uma vez seu desapreço e desrespeito ao texto constitucional de 1988, que é uma das maiores conquistas democráticas da sociedade brasileira. Exatamente pelo seu caráter democrático e compromisso com a justiça social, a Constituição cidadã de 1988 tem sofrido, desde o golpe de 2016, sucessivos ataques por parte do grande capital e de um parlamento cada vez mais reacionário e dominado pelo poder econômico, com o apoio efusivo da grande mídia capitalista. O texto constitucional deixa claro que não pode haver impeachment sem crime de responsabilidade, mas isso não importa, obviamente, ao editorialista. Esse posicionamento do jornal O Globo não surpreende quem conhece minimamente a história política do Brasil dos últimos sessenta anos. Ao contrário, não se poderia esperar outra coisa desse jornal, que defendeu o golpe de 1964 e a ditadura militar até os seus estertores; inclusive, censurando totalmente qualquer menção às gigantescas manifestações das Diretas Já, rivalizando dessa forma com a prática da imprensa nazista. A lista de desserviços das Organizações Globo à democracia é extensa. Manipulou escandalosamente o último debate televiso da eleição presidencial de 1989, contribuindo sobremaneira para eleição do candidato do grande capital, em detrimento do candidato dos movimentos democráticos e populares, que era o favorito do pleito.Fez oposição cerrada aos primeiros governos de um partido democrático e popular, de centro-esquerda, o Partido dos Trabalhadores, que promoveu os maiores avanços sociais da história deste país e um grande ciclo de crescimento econômico. A Globo, como toda a mídia capitalista, fomentou e apoiou todo o lawfare movido contra o PT e suas lideranças, especialmente o presidente Lula, desde o Mensalão, que se baseou na aberração da teoria do domínio do fato para condenar grandes dirigentes petistas, em 2005, até a Operação Lava Jato, com todos os seus desmandos, violações e escandalosa parcialidade, culminando com a condenação do presidente Lula, sem prova e sem qualquer direito de defesa, em uma das maiores teratologias do judiciário brasileiro. A Globo e a mídia criaram e massificaram a farsa de que o PT teria introduzido a corrupção no Estado brasileiro, quando era de pleno conhecimento da maioria dos jornalistas e de qualquer pessoa bem-informada que a corrupção no Brasil é endêmica e estrutural, mantida por todo um sistema de beneficiamento do grande capital. Ao contrário, os governos do PT podem ser considerados aqueles em que a corrupção foi mais combatida, inclusive com a criação de legislação e dispositivos legais (como a delação premiada), que foram desvirtuados pela Lava Jato, em sua instrumentalização partidária da lei, para desestabilizar um governo legitimamente eleito e perseguir lideranças populares, com o apoio entusiasmado e engajado de toda a mídia capitalista. A massificação dessa farsa criou no imaginário popular a ideia de que o PT era o partido mais corrupto do Brasil, quando é o contrário: dentre os grandes partidos, o que tem menos corrupção é o PT. Mais uma vez a Globo e a mídia capitalista reproduziram a prática da propaganda nazista de afirmar indefinidamente uma mentira até transformá-la em “verdade”. A Globo e a mídia capitalista também apoiaram e convocaram as grandes manifestações de massa contra o governo Dilma, as quais assumiam cada vez mais um caráter fascista e autoritário, com defesas explicitas de golpe e ditadura militar. Como valia tudo para tirar do governo um projeto democrático e popular de distribuição de renda, valorização do trabalho e de soberania nacional, a mídia continuou apoiando as manifestações da extrema direita. Esse fortalecimento da extrema direita, com a criminalização de toda política promovida pela Lava Jato, criou o caldo de cultura para a eleição de um miliciano, corrupto, medíocre e reacionário à presidência da República em 2008. Assim, a Globo e mídia capitalista foram os grandes responsáveis pela eleição do pior presidente da história do Brasil, responsável por um governo genocida, ambientalmente devastador, antipopular, altamente corrupto e que comprometeu a soberania nacional de forma quase que irreparável. Um governo que tentou durante quatro anos dar um golpe militar e gastou ilegalmente bilhões do orçamento público para tentar se reeleger, sendo, mesmo assim, derrotado pela vontade popular, em 2022, que reparou o golpe de 2016, reconduzindo o presidente Lula, do PT, à presidência da República. Portanto, ao defender fervorosamente, em 2023, mais um golpe de Estado, a Globo nada mais faz do que manter a coerência com sua prática contumaz de ataques à democracia. Resta mais uma vez evidente que, menos do que veículos de comunicação da massa, a Globo e toda a grande mídia capitalista são órgãos de propaganda dos interesses do grande capital financeiro e do agronegócio, grileiro e ambientalmente devastador. E a defesa desses interesses se sobrepõe, sempre que necessário, a qualquer compromisso com os princípios fundamentais da democracia e do jornalismo. Dante LucchesiProfessor Titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense (UFF) |
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |