Novos avanços na transparência por Jorge Hage
NO ÚLTIMO dia 13, o governo começou a resgatar uma dívida de mais de 20
anos para com seu povo, enviando ao Congresso Nacional o projeto de lei
de acesso à informação, compromisso também assumido pelo país ante a
comunidade internacional em vários tratados e convenções.
Nos últimos dez anos, intensificou-se o movimento mundial por tal regulamentação e, agora, na esteira da crise financeira, países centrais e organizações internacionais recolocaram o tema em suas agendas com revigorada ênfase.
Foi o que se viu nos EUA, com o presidente Obama decretando nova leitura do Foia (a lei americana de acesso à informação), para, na dúvida, optar-se pela abertura total; foi o que se viu no Banco Mundial, quando da conferência do Carter Center, em Lima, reunindo sugestões dos países para aprimorar sua política de transparência; e nas recentes reuniões do UNODC, do Fórum Econômico e do G20, reconhecendo que na raiz da crise está a falta de transparência de governos, bancos e outras corporações.
O projeto surgiu no Conselho da Transparência Pública, da CGU, em 2005, por proposta da ONG Transparência Brasil. Em 2006, o presidente Lula anunciou sua disposição de encaminhá-lo ao Congresso, após discussão no Executivo, atendendo, inclusive, a um compromisso firmado na campanha com o Fórum de Entidades pelo Direito de Acesso à Informação, coordenado pelo jornalista Fernando Rodrigues, desta Folha.
A lei é essencial, seja porque a informação é o oxigênio da democracia, como diz a ONG Artigo 19, seja porque, para o combate à corrupção, não existe melhor desinfetante do que a luz do sol, como dizia o juiz norte-americano Louis Brandeis. A participação popular e o controle social são meros discursos vazios se não houver oferta ampla e farta de informação.
No Brasil, o Executivo federal já avançou bastante em matéria de oferta espontânea de informação -o Portal da Transparência e outros sites já nos colocam como o oitavo país mais transparente entre os 85 pesquisados pelo IBP, de Washington.
Mas nos faltava uma lei que regulasse o acesso a qualquer documento buscado pelo cidadão em particular.
Dificuldades sempre existirão para implementar qualquer medida de transparência, mas elas têm de ser superadas. Há o natural receio do mau uso da informação, da distorção dolosa por alguns setores que se opõem ao governo.
Isso é real. Mas a solução não está em deixar de divulgar, mas em insistir na informação verdadeira, enfrentando o debate político e apostando em que a verdade afinal prevaleça.
O acesso à informação pode trazer também, em certos casos, riscos reais para a defesa do país, suas relações internacionais, seus legítimos interesses comerciais ou para eventuais investigações em curso. Mas, para isso, existem as exceções, aceitas em todos os países e por organismos internacionais, que aconselham a observância do princípio da "menor restrição possível", que o projeto brasileiro observa.
O mesmo deve ser dito sobre os possíveis danos aos direitos individuais e à vida privada. E a nossa Constituição é bastante precisa quanto a tais ressalvas.
No campo das dificuldades, há ainda as de natureza técnica e tecnológica e as de caráter administrativo, que incluem a necessidade de recursos financeiros e humanos -estes, devidamente capacitados- para manter um sistema de prestação de informações, o que não é trivial.
E há, por fim, a dificuldade maior, que consiste em mudar a "cultura do sigilo".
Depois da esperada aprovação pelo Congresso, terá que haver um esforço coordenado de cada esfera de governo (e Poder), no sentido de conscientizar os agentes públicos para superar a cultura do segredo, treinar os servidores nos procedimentos da nova lei, alertá-los para as punições (severas), divulgar amplamente os direitos que dela surgem e a forma, agora regulamentada com clareza, de obtê-los.
Mas, como diz a sabedoria popular, "cada dia com sua agonia". Agora é celebrar e destacar a importância desse passo inicial, capaz de colocar o Brasil em posição ainda mais favorável no contexto global.
Refiro-me à imagem de um país que cultiva a transparência pública como política institucional irreversível, garantidora dos direitos humanos, arma poderosa contra a corrupção e condição indispensável, hoje, para quem pretende consolidar-se como destino preferencial de grandes investimentos, garantindo-lhes regras claras propiciadoras da livre e sadia competição.
JORGE HAGE, 71, advogado, mestre em direito público pela UnB (Universidade de Brasília) e em administração pública pela Universidade da Califórnia (EUA), é o ministro-chefe da Controladoria Geral da União.
Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo