O altruísmo do governador por Geraldo Galindo
O governador da Bahia recebeu o prefeito eleito de Salvador em audiência, o que deve ser visto com naturalidade, – relações institucionais protocolares, como ocorre com qualquer outro prefeito das demais cidades. Mesmo que enquanto candidato o parlamentar do DEM tenha desferidos sucessivos ataques ao chefe do executivo estadual, é tarefa dele recebê-lo.
Não cabe ressentimentos nesses casos. Lembrando, ACM Neto responsabilizou Jaques Wagner por todos os problemas acumulados na Bahia e em Salvador, como se nas décadas de domínio de seu grupo político esses problemas não existissem. Eles existiam, sim, e são decorrentes exatamente da forma elitista, autoritária e excludente de governar do velho carlismo.
Uma experiência democrática de apenas seis anos, para o prefeito eleito, é a culpada pelos caos em Salvador. O desastroso prefeito, em fim melancólico de gestão, que colocou a máquina da prefeitura em sua campanha, não tinha responsabilidade – essa era exclusiva do governador. ” Por que não fez?”, era a pergunta que ele fazia ao candidato do PT quando este apresentava suas propostas, mas essa pergunta não cabia ao seu grupo que dominou o estado por cerca de 40 anos.
Na gestão de oito anos de Imbassahy, seu aliado, Salvador deve ter chegado ao nível de excelência em administração pública e os gargalos agora denunciados foram “extintos” naquela gestão e “voltaram” com Wagner no governo. Não devemos esquecer que a campanha de ACM Neto divulgou vários panfletos apócrifos com ataques de baixo nível contra o candidato e o partido do governador.Mas um democrata deve relevar isso, colocar os interesses da cidade e do estado acima da demagogia, mesmo sabendo que a mentira como forma de enganar o povo é nociva para a sociedade e para a democracia.
Pergunto: o que faria o DEM em circunstância semelhante, ou seja, eles sendo o governo do estado e a prefeitura de Salvador ganha pela esquerda? Se Neto responder a esse questionamento, vai dizer certamente que teria relações institucionais normais. Neste momento é bom nos lembrarmos de quando a atual senadora Lícide da Mata se elegeu prefeita de Salvador derrotando o candidato da família Magalhães, então no comando do governo estadual. Talvez não exista caso semelhante no mundo de perseguição política tão avassaladora contra um gestor, apenas por este ser de outro partido.
Para eles, naquele período, os interesses da cidade estavam absolutamente em segundo plano, o mais importante para o grupo carlista era desmoralizar a prefeita eleita, para mandar um recado claro ao eleitor de que somente eles tinham o direito de governar. E promoveram um cerco brutal, violento, através do judiciário (comandados por eles, que bloqueava contas da prefeitura), do governo federal (FHC) onde tinham forte influência, através dos poderosos meios de comunicação que controlam até hoje e outras formas mais, sempre com requintes de crueldade.
Com a cidade sitiada, asfixiada, eles responsabilizaram Lícide pelos problemas provocados pelo cerco que promoveram e venceram a eleição seguinte. Durante os oito anos de governo Imbassahy, nada do que o prefeito cobrou agora do governador foi feito, e o prefeito do PFL era do mesmo grupo do governador carlista da época.
O governador da Bahia, democrata que é, demonstrou ser altruísta, magnânimo, ao anunciar publicamente que os interesses da cidade estão acima das diferenças políticas, tese com a qual a qual a “família” deve concordar apenas no discurso. O prefeito eleito anunciou suas prioridades de governo e o governador disse que vai apoiá-las. Que isso sirva de exemplo a um grupo que até cortava luz e água de cidades administradas por prefeitos eleitos pela oposição.
Que esse tipo de prática nunca mais se repita na Bahia, estado onde a ditadura miltar só veio se encerrar com a eleição do atual governador, e nos breves quatro de anos Waldir Pires, uma atraso de 12 anos em relação ao restante do país. Nos lembremos ainda que até há pouco tempo, antes da vitória de Wagner, em plena vigência de novo ambiente político no Brasil, militantes da oposição na Bahia foram grampeados – inclusive esse escrevinhador – e eram proibidos de aparecer na imprensa controlada por eles – e quando apareciam, eram em “notícias” para desqualificá-los.
A cordialidade do governador no tratamento com o atual prefeito é correta, elogiável, digna de quem tem tradição do diálogo no tratamento das diferenças. Mas essa civilidade deve ser revestida de cuidados. ACM Neto anunciou que Wagner será seu interlocutor junto à presidente. Para quem foi apresentado na campanha como incapaz, inoperante e incompetente, é até estranho que o parlamentar agora o tenha nessa grandeza.
Daí eu citar as precauções. O deputado do DEM pode estar se precavendo caso encontre dificuldades. Da mesma forma que o governador foi injustamente responsabilizado por problemas vindos de períodos anteriores, ele pode mais adiante responsabilizá-lo por ter sido “ineficiente” na interloculação com Dilma, a “terrorista”, como a militância do DEM gosta de rotular a presidente.
Por fim, alguns têm dito que ACM Neto não é a mesma coisa que o avô – tomara que não. O velho ACM foi linha de frente de uma ditadura que exilou, torturou e assassinou centenas de democratas e patriotas durante o regime de exceção. Foi a ele que ACM Neto dedicou a vitória na eleição em Salvador – uma dedicação ao autoritarismo e à perseguição como forma de fazer política.
Não sou otimista quanto à mudança dos métodos dos “neo-carlistas”, mesmo sabendo que não há um ambiente favorável à propagação da forma de governar do “chicote numa mão e o dinheiro na outra”. Mas, como o DEM – partido que tem mais políticos fichas sujas no país – vem em processo acelerado de desidratação política e eleitoral, exatamente porque o povo brasileiro não tolera mais suas práticas, quem sabe, a parte baiana – a mais resistente no país – reveja seu passado sinistro e inaugure uma fase menos truculenta.”