Aldeia Nagô
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O Amor, bicho de sete cabeças. Por Fabrício Carpinejar

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

O relacionamento é um bicho de sete
cabeças. Cabe decepar cinco delas e deixar duas pensando. Não permitir
que outras cabeças intrusas mandem mais do que a do casal, ainda que
seja a mãe, a sogra, a melhor amiga ou amigo.


Aprendi a amar jogando Forca na escola. Deduzir as letras que faltam para não deixar morrer a linguagem. É evidente que complicamos o amor. Pois o amor nos torna confusos, eufóricos, instáveis. Nada apaga a incerteza do começo. Quando se fica junto e ainda não se tem convicção do enlace.

Qualquer sinal pode aproximar ou sacrificar o início. Nenhum dos dois confessa o namoro. Ficam juntos, não conseguem voltar para casa, arrumam pretextos e não se fala o que se queria. Ambos rodeiam com palavras outras para se aproximar da palavra aquela. Já descobriram a intimidade, a empatia, as afinidades, mas há o medo de apressar. Mas há também o medo de demorar.

Como é difícil acertar o ritmo de fora com o ritmo de dentro. O abraço serve para apartar o excesso de palavr
as, assim como no boxe o abraço serve para conceder trégua aos socos.

Quanta violência na vagueza. É dormir de tarde e se acordar de noite. O amor rouba o fuso, o contexto, a simplicidade. É uma mudez carregada de fragilidade. Apaga-se a luz ou apaga-se o corpo para diminuir o receio de não ser aceito. O amor aperfeiçoa os defeitos. Os defeitos ficam charmosos, simpáticos, expansivos. O amor devolve a transfiguração. A realidade não basta. Percebe-se no lampião sua touca de vidro. E se acha graça do fogo usando touca de banho, para não molhar os cabelos. De repente, se está rindo sozinho, do absurdo de ver mais do que se deveria, pelo excesso de contigente da imaginação. O que era impensável parece adequado.

Não se enxerga somente o passado de quem se ama, mas o que se oferece de futuro. Da mesma forma, nada apaga a incerteza do final. Volta-se ao mesmo ‘não-sei-o-quê", o doloroso balbuciar destinado a encerrar uma história.
Nenhum dos dois pede a conta – o temor de que o estrago seja maior do que o fundo. Não se toma o partido, a iniciativa. Há o risco de errar feio e se enganar com a previsão. Calam-se e discutem por qualquer coisa porque não se tem a coragem de se discutir o que interessa. É um estado de nervosismo permanente, de ulnerabilidade extremada.

Vontade de terceirizar a vida e deixar que os outros administrem e tomem as decisões em nosso lugar. Vontade de largar a casa, os móveis, mudar de identidade e retornar assim que tudo estiver resolvido. A falência amorosa é como a falência de uma empresa. As centenas de funcionários demitidos são as lembranças. São postos na rua preceitos, frases e ideais antes caros à memória. A indefinição é que faz o amor permanecer ou ir embora. E não existe modo de diminuí-la. A vida se faz de expectativas. Talvez a vida seja curta para cumpri-las, talvez seja longa para entretê-las. Não se pode esquecer o que aconteceu atrás, antes do amor. Como disse Ana: "Fazíamos máscaras caseiras com pepino, passávamos ovo e outras podridões no cabelo, fazíamos touca e usávamos meia calça cortada embaixo dos vestidos (nas mangas) para não passar frio. O pior é quando se voltava da festa com outras amigas. Eram três horas de papo para
entender o que aconteceu (na verdade, por que não aconteceu)". Que o amor seja indefinido para durar. Só se fala do que se tem a necessidade de compreender.

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