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Aldeia Nagô
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O caixa dois computacional. Por Ronaldo Lemos

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura
Ronaldo_Lemos

O desfecho deste processo eleitoral está se aproximando. E independentemente do resultado haverá ao menos uma grande ressaca: a percepção de que a opinião dos eleitores foi formada em significativa medida pela disseminação de informação falsa, abusiva e inflamatória.

Essa ressaca é uma tragédia anunciada. Desde 2014 a população brasileira vem sendo alimentada com conteúdos inflamatórios de forma incessante. Como mostrou a importante pesquisa do pesquisador Dan Arnaudo, de Oxford, os robôs e perfis falsos usados pela primeira vez na campanha eleitoral de 2014 jamais foram desligados. Eles continuaram na ativa. Mais do que isso, continuaram crescendo de forma exponencial e incessante.

Do ponto de vista de mídia, esta sera a primeira eleição no pais (e provavelmente no mundo) que terá sido decidida pela aplicação massiva de poder computacional e propaganda automatizada. Traduzindo: além do conteúdo inflamatório, o que faz diferença mesmo e realmente importa é a capacidade de promover sua propagação.

Para ser eficaz e alcançar milhões de pessoas, como vem acontecendo há anos no país, o discurso inflamatório depende de automação. Há milhões de perfis falsos e robôs que respondem ao comando centralizado de grupos de marqueteiros políticos. Esses robôs conseguem replicar mensagens em velocidade e volume avassaladores.

Para isso acontecer precisam de software, hardware, conexão e pessoas operando todo o aparato, ou seja, de poder computacional. Quem pagou por todo esse poder computacional massivo? Como ele aparece nas despesas de campanha? Se ele não foi pago diretamente pela campanha, foi pago por quem? E se foi pago por alguém, pessoas ou entidades, isso ao deveria ser declarado como doação eleitoral? Surge assim o caixa dois computacional. Ele é mais difícil de ser rastreado do que o caixa dois tradicional, mas seu efeito é tão ou mais nocivo, já que ataca o âmago da própria democracia.

Nenhuma mensagem política sozinha, por mais bem escrita que seja, tem condições de fazer frente a uma mensagem amparada por um aparato computacional. A disparidade de armas é muito grande. Sobre isso, a lei eleitoral existe exatamente para garantir a isonomia entre os candidatos (o que se chama em inglês de level the playing field). Por isso o horário eleitoral é gratuito e distribuído entre os candidatos de acordo com a representatividade do seu partido. Já o poder computacional é assimétrico. Um candidato pode ter muito e outro não ter nada, e isso não é visível nem transparente, ainda que seja determinante.

Ao ser empregado na eleição brasileira o poder computacional desequilibrou completamente esse balanço de forças por debaixo dos panos. Os recursos computacionais empregados foram tão amplos que obliteraram imprensa, rádio e televisão somados. Desde a primeira guerra mundial se sabe: voto se conquista pela mídia. E a mídia do presente é a internet.

A questão é que fazer circular informações para milhões de pessoas de forma sistemática custa muito dinheiro, seja na televisão seja na internet. Quem pagou? Estamos completamente desinformados sobre a principal engrenagem que movimentou as eleições de 2018.

Quando se combate a corrupção geralmente se utiliza o mantra “Follow the money” (siga o dinheiro). Para proteger as democracias vai ser necessário o “follow the computational power” (siga o poder computacional).

Reader

Já era achar que conteúdos na internet viralizam “espontaneamente”

Já é uso desgovernado de poder computacional para espalhar conteúdo inflamatório

Já vem apurar responsabilidades pelo uso de caixa dois computacional 

Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2018/10/o-caixa-2-computacional.shtml

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