O delegado valentão. Por Galindo Luma
Ele alugou um apartamento no mesmo prédio onde eu morava, mas não era um residente fixo. Era um sujeito alto, cabelos grisalhos, aparência de gente sisuda, que não cumprimentava nem reagia a cumprimentos dos moradores que cruzavam seu caminho, nas escadas ou na recepção. A primeira vez que o desejei uma boa tarde, ele abaixou a cabeça como se estivesse a dizer “não fale comigo”. O apartamento dele tinha vista para a rua e ele costumava acompanhar da varanda as chegadas e saídas dos moradores quando lá estava.
Só ficamos sabendo que o mal-humorado era delegado da polícia quando foi visto dando entrevista na TV sobre a prisão de um suspeito de tráfico de drogas, e passou a ser normal ele chegar no prédio em carros da Polícia Civil da Bahia, em que pese ter ele um luxuoso Land Rover, nada mal para um servidor público. No fundo do carro importado, um enorme adesivo com os dizeres “Brasil acima de tudo, deus acima de todos”.
Com o decorrer do tempo, o homem da lei começou a importunar os moradores todas as vezes que se sentia incomodado, e isso passou a ser rotina, especialmente quando ele bebia, o que era muito frequente. Se ele achava que tinha um carro mal estacionado, que um lixo estava fora do lugar, que um cachorro latia alto demais, qualquer desses acontecimentos triviais eram motivos para ele ir pra cima dos vizinhos para xingar, gritar e ameaçar.
Qualquer festinha era motivo para ele aparecer armado na porta do apartamento e mandar acabar, alegando que o ambiente era de família, mostrando suas credenciais de policial.
Reinava um clima de medo por conta do comportamento grosseiro e arrogante do delegado. Ele esteve duas vezes na minha porta para mandar diminuir o volume do som e, numa dessas vezes, me deu uma lição de moral:
– Eu percebo que você, a cada dia, aparece aqui com uma mulher diferente, sempre fazendo farras.
– Rapaz, você não tem o direito de se meter na vida privada das pessoas. Eu como quantas mulheres eu quiser. Por acaso você é fiscal de buceta?
– Me respeite que eu sou autoridade! Isso aqui é um ambiente familiar. Não aceito que no prédio onde moro tenham orgias sexuais.
– Então, você se mude daqui.
– Você sabe que já senti cheiro de maconha vindo de sua casa?
– E cheiro de buceta, já sentiu?
– Olhe que posso te prender por desacato à autoridade. Me respeite que sou um cidadão de bem, temente a deus.
– Rapaz, volte pra sua casa, me deixe em paz.
– Te aviso pela última vez: se houver mais orgias ou fumaça de maconha, te levo preso. Confesso ter ficado assustado com aquela criatura. Que desgraça foi essa: depois de 20 anos morando tranquilamente naquele local, me aparecer um policial cristão para tirar minha tranquilidade?!
Depois aconteceu um outro episódio envolvendo o psicopata. Eu tinha chegado de madrugada e estava estacionando na rua em frente ao prédio. O som estava ligado e lá da varanda ele pontou um revólver pra cima, deu um tiro e gritou:
– Desligue a porra desse som ou eu metralho você e essa puta que está chupando seu pau, depravado filho da puta. O susto foi tão forte que a menina terminou por me ferir levemente com os dentes, no momento em que retirou o pau da boca de maneira brusca. A solução que encontrei foi passar a noite em um hotel, com receio de ter de passar por perto daquela criatura armada, provavelmente bêbada. “Eu não posso morrer tão cedo, tenho muita buceta pra comer ainda”, estava a pensar.
Aquela foi a primeira vez que gozei sentindo o prazer de chupar uma buceta, pois não podia penetrar nem ser chupado por conta do ferimento.
Depois, decidi me mudar do prédio e comecei a procurar apartamentos em outros bairros, pois não tinha mais como conviver com um louco daqueles. Mas uma compra e uma mudança requer tempo e, assim, tive que continuar morando
lá por mais um tempo, tomando todos os cuidados, com receio da reação do delegado.
Num belo final de tarde, quando retornava da praia com uma gaúcha gostosa que viera conhecer a Cidade da Bahia, estacionei o carro e me preparei para atravessar o passeio que dá acesso ao prédio. Bem próximo da recepção onde fica o porteiro, tinha uma senhora, ao lado da filha, fazendo o maior escarcéu, já com pessoas se aglomerando ao lado dela, que gritava:
– Atenção, moradores, vocês conhecem um delegado que alugou um apartamento neste prédio? Ele é meu marido, pai de meus filhos. Hoje eu e minha filha resolvemos segui-lo. E sabe o que descobrimos? Que esse homem metido a machão, na verdade, é uma bichona, um viado descarado. Nesse exato momento ele está dando o cu para o macho dele lá em cima
– berrava a mulher.
– Aqui no prédio todo mundo acha que esse rapaz que vem aqui é o filho que vem visitá-lo – disse a ela o porteiro.
– Mentira! Esse filho da puta é um velho safado, todo metido a macho, mas gosta mesmo é de pica, há tempo que desconfiamos.
Ninguém da família sabia da existência desse apartamento. Ele sempre dizia que, quando se afastava, estava em viagem a trabalho para o interior, mas esse vagabundo tava aqui recebendo pica no interior do cu dele.
E cada vez mais pessoas se aglomeravam: vizinhos, porteiros de outros prédios, transeuntes, motoristas que passavam pela rua e funcionários de uma oficina mecânica que trabalhavam nas proximidades. Aí a mulher começou a desafiar o marido:
– Apareça na varanda, se você for homem. Eu sei que, nesse exato momento, você está com seu macho aí dentro, seu safado.
Você desmoralizou sua família, seus filhos, seus irmãos, sua mãe, boiola desgraçado.
E continuou:
– Você, o tempo inteiro falando em família, em deus, seu canalha.
Apareça, filho da puta, ou você está com uma pica dentro do cu que não pode tirar agora? Logo você, que dizia que preferia morrer a ter um filho homossexual. Logo você, que dizia que homossexualidade é perversão, é safadeza, é coisa de esquerdista depravado. Mostre a cara, cínico, degenerado, as pessoas querem ver o rosto do velho metido a moralista.
Que vergonha!
Bem, essa mulher vingativa passou quase uma hora humilhando, insultando o marido, pedindo o tempo inteiro pra ele descer ou mostrar a cara, mas ele não apareceu. Era vergonha demais pra um cidadão de bem. A polícia acabou aparecendo e desmontou rapidamente aquele circo bizarro. O delegado machão nunca mais apareceu na área.
Fiquei depois a me lembrar do filme Beleza Americana, que conta a história de um veterano coronel do Corpo de Fuzileiros dos Estados Unidos que tinha discurso de ódio contra os gays e depois se revela como um deles.
Meses depois, vejo num jornal, que fora preso um delegado de polícia (sem dizer o nome do infrator) por atentado ao pudor numa rua de concentração de travestis no centro de Salvador. O machão estava com a boca ocupada no momento do flagrante, dentro de uma Land Rover. Teria sido ele?
