O glamour do pelô. Por Zuggi Almeida
O Pelourinho/Maciel teve os seus dias de glória no passado quando os suntuosos casarões eram habitados pela burguesia da época.
No largo estava erigido a coluna de pedra onde negros escravizados eram açoitados num espetáculo macabro para deleite dos senhores e moçoilas encastelados nas suas sacadas.
Um outro direcionamento habitacional levou a elite a ocupar outros espaços nas regiões do Campo Grande, Vitória, Graça e Barra. A decadência financeira originada pela mudança dos detentores do poder econômico determinou o abandono daquele casario colonial.
O conjunto barroco então foi ocupado por pessoas do povo, aí incluía-se trabalhadores de ofícios, moradores de rua e a prostituição.
Esse ambiente fantástico foi romantizado pela obra do escritor baiano Jorge Amado. Alí foi pintado um cenário de farras homéricas, mulheres sedutoras e malandros hábeis no uso da navalha e no jogo da capoeira.
O Pelourinho foi formado por um tecido social rico culturalmente, mas, ojerizado pela classe média da Bahia antiga. Morador do Maciel nos anos 60 era considerado malandro ou prostituta. Uma vaga de emprego só era conseguida se o endereço no Pelourinho fosse omitido pelo residente.
Lembro na década de 80 quando levei uns amigos meus da classe média para provar do mocotó do restaurante da Tia Celina, no Maciel de Cima. A noiva de um deles quando soube do acontecido se recusou a beijá-lo na boca, no dia seguinte.
Embora uma escovada nos dentes com pasta Kolynos não resolvesse essa atitude preconceituosa.
Nesse ambiente de boêmia foi efetuada uma intervenção governamental , após o Centro Histórico ser considerado patrimônio da humanidade.
O Pelourinho entrou no processo de revitalização nas suas construções e a população pobre foi expulsa para periferia da cidade. Restaram poucos moradores antigos.
A classe burguesa voltou a frequentar o Pelô como passou a ser denominado pelo marketing , a região central.
O Pelourinho tornou-se uma das maiores referências culturais no mundo. O afoxé Filhos de Ghandi, o bloco afro Olodum e o balanço do reggae atraíram estrelas do pop mundial como Paul Simon e Michael Jackson.
Ser do Pelô ou estar no Pelô dava um determinado status, distantes ficaram o cheiro do perfume. barato das meretrizes o ou aroma adocicado da marijuana que emanava dos becos escuros.
Mas, o certo é que o Pelourinho tem uma magia inexplicável capaz de minimizar distâncias sociais, a ponto da turista branca colocar um tereré rasta nos cabelos sedosos ou o senhor alemão exibir uma pintura tribal no braço gordo.
Eles se permitem imaginar ser negro por um dia, sem jamais ter sentido a dor de um chicote no lombo ou a violência das blítzes policiais dos dias atuais.
Existe, sim, um Maciel/Pelourinho verdadeiro fruto da resistência do povo negro que continuou habitando aquele espaço mantendo a dignidade e a essência apesar da caricatura glamurosa das telas globais.
– Você já foi no Beco do Mota, nega?
– Não ?
– Então vá !
* zuggi almeida é baiano, escritor e roteirista.
