O lugar das mães por Carla Rodrigues
As mães que querem dedicar-se plenamente à educação de seus filhos e ao
serviço da família têm de gozar das condições necessárias para poder fazer, com
o direito de contar com o apoio do Estado. O papel das mães é fundamental para o
futuro da sociedade.
A declaração é do papa Bento 16, já no último dia de sua estada no Brasil, e
remete a uma velha questão não resolvida sobre o papel da mulher. Afinal, como
conciliar o inconciliável, a vida pública e a privada, a carreira e a
maternidade? Se de um lado a Igreja Católica bate na velha tecla de que o papel
das mães é fundamental para o futuro da sociedade – e os pais? –, de outro o
movimento feminista não sabe o que fazer com o legítimo desejo das mulheres de
ter filhos. Na França, a historiadora e feminista Yvonne Knibiehler, 84 anos,
defende que a verdadeira liberação da mulher passa pela defesa da maternidade.
De fato, se o papel da mulher na sociedade for estritamente valorizado pelo
seu lugar no mercado de trabalho, ficará restrito a uma abordagem mercantilista.
É a isso, de certa forma, que o papa está criticando quando defende que as mães
tenham o apoio do estado. Ou seja, que o papel da que educa e cria os filhos
seja valorizado. Em outra ponta, embora por razões distintas, a feminista faz afirmações muito semelhantes quando diz:
A maternindade não é somente uma vaidade pessoal. É, também, uma função
social. Estou convencida de que, ignorando esta função social, ignora-se também
pelo menos a metade das realidades maternas. O resultado das minhas pesquisas
não fizeam nada além de reafirmar essa certeza. O feminismo debe, antes de tudo,
repensar a maternidade.
De fato, a recusa do feminismo em pensar a maternidade tem muito a ver com a
rejeição de valorização da maternidade como papel “natural” da mulher – o que
certamente está presente no discurso do papa. No entanto, para além desta
questão, não é possível ignorar que a educação das crianças é uma necessidade
social fundamental, na medida em que dela depende a própria idéia de que se
formem adultos melhores e mais bem preparados para que, no futuro, homens e
mulheres possam desempenhar papéis cada vez menos condicionados por
convenções.
Como fazer isso sem aprisionar as mulheres ao âmbito da vida privada, sem
negar-lhes a perspectiva de uma carreira profissional? A resposta que a teoria e
a militância feminista têm dado para esta pregunta tem sido, na prática,
insuficiente. A idéia de que pai e mãe podem compartilhar esta responsabilidade
no dia-a-dia, embora óbvia, é pouco aceitável – pelo mercado, que paga aos
homens salários maiores do que às mulheres justamente porque espera que eles não
faltem ao trabalho por causa da febre do caçula; pelas próprias mães, porque a
maioria ainda acha que as crianças serão mais bem cuidadas por mulheres, mesmo
que seja a avó ou a empregada, do que por um homem; pelo estado, que concede
licenças-maternidade brutalmente diferenciadas para homens e mulheres; pelos
filhos, que esperam mais de suas mães do que de seus pais; pelas escolas, que
marcam reuniões de pais em horários impossíveis para os homens; e até pelos
pediatras, que reforçam no consultório a tese do instinto maternal, dando aos
pais papel secundário na vida dos bebês.
Este nó que está longe de se resolver precisa ser repensado à luz de uma nova
abordagem. Até aqui, tanto os enfoques que tentaram ou reafirmar a importância
biológica da maternidade, como fez o papa, para valorizar as mulheres que querem
cuidar dos filhos, tanto as feministas que continuam apenas batendo na velha
tecla de que as mulheres têm o direito de trabalhar, se assim o quiserem ou se
precisarem. É verdade que a maternidade e a sexualidade sempre foram
instrumentos de confinamento das mulheres. Mas é verdade, também, que há pelo
menos 30 anos há uma firme e permanente destruição dessa idéia. Trata-se, agora,
de saber construir alguma coisa nova para colocar no lugar.