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O não-alinhamento hoje. Por Boaventura de Sousa Santos

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O movimento original do não-alinhamento nasceu em 1961 no seguimento da Conferência de Bandung (Indonésia) realizada em 1955 em que participaram

29 países, quase todos recentemente libertados do colonialismo europeu. Somavam 54% da população mundial, mas o seu peso na economia mundial era quase nulo.

Em 1955, o não-alinhamento significava querer decidir sobre o modelo de desenvolvimento nacional sem ter de aderir a nenhum dos dois modelos rivais então vigentes: o bloco soviético, comunista, e o bloco ocidental, capitalista. O conceito de Terceiro Mundo decorre desta aspiração. As rivalidades entre eles começavam a cristalizar-se na Guerra Fria. As diferenças entre os dois modelos eram tão grandes que apontavam para dois modelos civilizacionais. De fato, a ideia do “homem novo” emergira desde o início do século XX na Europa como uma ideia civilizatória nova, tanto na versão soviética como nas versões fascista e Nazi, e apontava para algo ideologicamente muito distinto da norma capitalista que, depois de 1918, era crescentemente ditada pelos EUA. São conhecidas as divergências entre os participantes. O uso da força e do recurso à guerra para resolver conflitos, que dominaram a política internacional desde o século XIX, era o tema que congregava mais unanimidade.  O bloco soviético tinha uma vantagem comparativa, uma vez que, desde o Congresso dos Povos do Leste realizado em Baku (Azerbeijão) em 1920, reconhecera o papel dos movimentos de libertação colonial na luta contra o capitalismo e o imperialismo.  O não alinhamento era sobretudo um estado de espírito, o espírito de Bandung. O jornalista afro-americano Richard Wright presente em Bandung descreve assim o ambiente de Bandung: “Só os homens morenos, pretos e amarelos que, sob os rigores do domínio colonial, há muito se tinham tornado conscientes da sua raça e da sua religião, poderiam ter sentido a necessidade de um tal encontro. Havia qualquer coisa de extra-político, extra-social, quase extra-humano; cheirava a ondas gigantescas, a forças naturais. E a convocatória para a reunião não tinha sido feita em termos de ideologia. A agenda e o tema tinham sido escritos durante séculos no sangue e nos ossos dos participantes. As condições em que estes homens viviam tinham-se tornado a sua tradição, a sua cultura, a sua razão de ser”.

Os então jovens países do que hoje se designa por Sul Global queriam fazer valer os seus interesses nacionais por via da cooperação de modo a focar neles e não nos interesses que lhes eram ditados pelo Norte global. Entre tais interesses estavam o anti-colonialismo, o anti-racismo, sair do subdesenvolvimento, ampliar as áreas de paz.

O Movimento dos Não Alinhados foi desde o início contestado pelos EUA, já que para os EUA as ideias de neutralidade, neutralismo ou não-alinhamento eram anátemas, enquanto a URSS foi fazendo pressão no sentido de intensificar a orientação anti-imperialista. Com isso, as divergências foram aumentando e o movimento foi perdendo relevância, o que se agravou com o fim da Guerra Fria.

Em 2024, a situação geopolítica e econômica do mundo é muito diferente da de 1955. Que sentido faz hoje falar de não-alinhamento? Não alinhamento entre quê e para quê? Uma breve síntese da situação geopolítica  actual ajuda-nos a definir os possíveis  conteúdos políticos do não-alinhamento. Antecipo que o novo não-alinhamento é tão necessário hoje como em 1955 ainda que com conteúdos político-ideológicos muito diferentes. Distingo entre um não-alinhamento fraco e um não-alinhamento forte.

O contexto geopolítico

Vivemos num mundo multipolar (ou mesmo bipolar) ainda que muito distinto do de 1955. Os dois pólos de atração geopolítica são os EUA e a China e as rivalidades entre eles estão a intensificar-se. Desenha-se uma nova Guerra Fria muito diferente da que existiu entre a União Soviética e os EUA. São três as diferenças principais entre 1955 e 2024.

1.Enquanto as diferenças entre os dois pólos eram enormes em 1955, um comunista e o outro socialista, ao ponto de apontarem para diferentes opções civilizacionais, hoje essas diferenças são muito menores. É certo que os discursos e a auto-descrição dos regimes apontam para realidades muito distintas, mas na realidade dos factos as diferenças atenuam-se consideravelmente. Basta recordar que até há muito pouco tempo a China era considerada um parceiro estratégico dos EUA, algo que nunca acontecera com a União Soviética. Embora haja um debate sobre a natureza do regime económico da China (comunismo, socialismo, capitalismo de Estado?) a evolução da China nos últimos trinta anos e o papel que tem desempenhado na globalização da economia torna cada vez mais evidente que estamos perante duas variantes do mesmo modelo capitalista, de um lado, um capitalismo das multinacionais com o capital financeiro globalizado (EUA) e do outro, um capitalismo de Estado com o controle estatal do sector financeiro (China). Vistos nesta perspectiva, os dois sistemas têm mais em comum do que se pensa.  As diferenças são importantes, mas ocorrem dentro do mesmo modelo de desenvolvimento económico capitalista. A opção socialista tal como era pensada em 1955 desapareceu. E com ela que desapareceu igualmente do léxico económico o seu contrário: hoje não se fala de capitalismo, mas de economia de mercado como se os mercados, que sempre existiram, tivessem sido sempre capitalistas. Uma ocultação tanto mais grave quanto, como tenho defendido, o capitalismo prevalece na medida em que se articula com o colonialismo (que continuou, sob outras formas, depois das independências políticas das colônias) e o patriarcado.

2. A segunda diferença em relação a 1955 é que nessa época havia uma diferença radical entre países democráticos (porque multipartidários) e países autocráticos (porque de partido único) ainda que estes reivindicassem para si próprios um outro tipo de democracia: democracia popular, democracia desenvolvimentista. Hoje as diferenças são muito mais ténues dado a degradação das democracias liberais nos últimos trinta anos.  Não é arriscado dizer que enquanto a China é uma autocracia de partido único, os EUA são uma autocracia de dois partidos únicos. Aliás, isto mesmo foi afirmado com uma premonição extraordinária pelo Presidente Julius Nyerere em 1991: “Os Estados Unidos são uma democracia segundo algumas definições e não segundo outras. É uma plutocracia, mas o nativo tem direito a voto; portanto, é uma democracia! Mas os Estados Unidos têm muita sorte. Existem dois partidos; mas na realidade são um só partido! Ambos os partidos estão de acordo quanto aos objetivos nacionais básicos. A nível interno, ambos são altamente capitalistas. A nível externo, ambos são imperialistas. Por isso, as suas políticas não diferem muito. Não foi Kennedy que planejou a Baía dos Porcos. Foi planeada por Eisenhower e Kennedy levou-a a cabo, ou seja, tentou levá-la a cabo. Portanto, basicamente estão de acordo”.

Obviamente as diferenças de regime político entre os EUA e a China são muito significativas, sobretudo no plano interno, mas em termos de geopolítica da democracia traduzem-se na diferença entre uma autocracia monolítica e uma autocracia pluralista.

3. A terceira diferença em relação a 1955 é a emergência da questão ecológica. Nessa altura o tema não passava de especulações filosóficas no Norte global e quando era tratado pelos países do sul Global tinha outras designações como, por exemplo, luta pela terra, pela reforma agrária, pelo controle das explorações mineiras. A situação modificou-se radicalmente desde então e hoje só a China é responsável pela segunda maior percentagem de emissões de dióxido de carbono, a seguir aos EUA. Por sua vez, os países do Sul global têm concentrado as suas exigências na responsabilidade histórica dos países do Norte global e se não se distinguem por serem mais ativos nos processos de transição ecológica é porque são muitas vezes vítimas desses processos quando adotados pelo Norte global, o chamado colonialismo energético. Em suma, também neste domínio, os dois pólos parecem mais semelhantes que distintos. O não alinhamento entre os dois pólos pode não significar mais do que escolher entre a tempestade e a inundação. Em face disto, o novo não alinhamento tem hoje muitas dimensões, todas elas urgentes. Distingo duas principais que designo por falta de melhor termo, não-alinhamento fraco e não-alinhamento forte.

O não-alinhamento fraco

Como dei a entender na síntese que fiz acima, o mundo multipolar de hoje é um só sistema com duas variantes principais. Entre elas está a crescer uma Guerra fria, que, por não ser regulada (como aconteceu com a anterior), pode a qualquer momento deslizar em guerra quente. O não-alinhamento fraco é que ocorre no interior deste sistema sem o contestar na globalidade. Mas não se pense que as opções são fracas ou não envolvem riscos, bem pelo contrário. O não-alinhamento fraco ou intra-sistêmico tem duas características principais:

Neutralidade activa. Não apoiar e tudo fazer para prevenir a eclosão da guerra entre os dois blocos. Neutralidade activa é o que antes se designava por neutralismo. Não se trata apenas de ficar fora dos conflitos de modo isolacionista e sem tentar intervir neles. Implica, pelo contrário, acionar políticas de intervenção activa para promover soluções pacíficas e prevenir a ocorrência de guerras. Dada a globalização e interdependência da economia e do mundo, a neutralidade activa será mais eficaz se ocorrer de modo regional e não em nome de países isolados. A neutralidade activa é assimétrica. Ninguém no Sul global acredita que China deseja uma guerra com os EUA. A história ensina-nos que os impérios ascendentes avançam criando zonas de influência através de benefícios desiguais, mas recíprocos. A Belt and Road Initiative (BRI) é hoje a mais pujante afirmação disso. Ninguém no Sul global acredita que a Rússia seja um país militarmente expansionista. Pelo contrário, foi vítima do expansionismo europeu já que desde o século XIX foi invadido duas vezes por duas potências europeias, a França de Napoleão e a Alemanha de Hitler. A Rússia está a defender-se de uma nova forma de expansionismo, desta vez euro-norteamericano, a NATO. Aliás, a guerra da Rússia-Ucrânia, tal como a guerra Israel-Palestina têm o mesmo objectivo de travar o grande rival dos EUA, a China, neutralizando os seus aliados mais importantes, sejam a Rússia ou o Irão. Os impérios em declínio, como é o caso dos EUA, afirmam-se pela guerra, quando não são mesmo dominados pela máquina da guerra permanente alimentada pelo complexo industrial-militar. Os EUA têm hoje oitocentas bases militares espalhadas pelo mundo.

A neutralidade activa é muito similar ao que antes se designava por neutralismo. Exige a não participação em pactos militares sejam eles promovidos pelos EUA ou pela China. Exige marcar distância em relação a qualquer deles no plano militar e promover, sobretudo a partir de uma base regional, seja ela a África ou a América Latina, iniciativas de intermediação e negociação pacíficas. O poder económico de alguns dos países do Sul global pode ser suficiente para ter algum impacto em travar a vertigem de guerra que se aproxima.

Não-alinhamento ativo. Este conceito foi recentemente cunhado num livro de Carlos Fortin, Jorge Heine e Carlos Ominami,  (Eds), Latin American Foreign Policies in the New World Order: The Active Non-Alignment Option (2023). Antes de tudo é preciso salientar que a neutralidade activa e não alinhamento activo são duas políticas interdependentes porque quanto mais intensa e tensa for a rivalidade militar entre os EUA e a China menor é o espaço de manobra para os países do Sul global levarem a cabo políticas de não-alinhamento activo.

Tomando como centro da sua análise a América Latina, os autores salientam que o adjectivo activo tem um significado forte porque implica a política de uma região que tem hoje um peso significativo na economia mundial e fortes relações tanto com a China (principal investidor) como com os EUA. Na linha do que argumento aqui, o não alinhamento activo obrigaria a América Latina a sair dos acordos militares com os EUA porque estes vão ser cada vez mais orientados para forçar a América Latina a um alinhamento activo com os EUA e em todos os domínios, militares, económicos, instituições internacionais, etc.

Dois temas complexos emergem. No plano económico a situação é dilemática pois enquanto os EUA continuam a advogar a pertinência económica do neoliberalismo apesar de todos os fracassos e a emergência de versões extremistas (Javier Milei, Argentina, Daniel Noboa no Equador, Nayib Bukele em El Salvador), a China propõe um capitalismo não neoliberal com forte intervenção do Estado e controle estatal do capital financeiro. Neste domínio é difícil antever uma terceira via. No plano político, os EUA exigem neste momento não apenas alinhamento, mas vassalagem, tanto na Europa como na América latina.  Acresce que depois de Hugo Chávez, a América latina não voltou a ter um líder interessado numa política autónoma do continente. A esperança agora reside em Lula da Silva, Presidente do Brasil, sem dúvida um dos líderes mais respeitados do mundo. Mas Lula está obrigado a centrar-se nos problemas internos do país dado o nível de destruição e de degradação institucional durante o período bolsonarista e o facto de ter contra si a maioria do poder legislativo e apenas uma tolerância insincera por parte de largos sectores das Forças Armadas.

No que respeita à neutralidade activa talvez o continente africano tenha vantagens sobre a América latina (apesar da crescente presença militar dos EUA em África), enquanto a América Latina tem vantagens no não-alinhamento activo. Uma articulação entre África e América Latina pode ser promissora neste domínio. Por sua vez, a Índia estará atenta a esse desenvolvimento e se se envolver activamente, a proposta do não-alinhamento activo (talvez combinada com a neutralidade activa) terá outra força.

O não-alinhamento fraco contém uma tensão que, com o tempo, tende a aumentar. Tal como no não-alinhamento original o bloco soviético oferecia vantagens difíceis de rejeitar, o mesmo sucede agora com a China. Aliás, a ideia do não-alinhamento aparece muitas vezes associada ao Sul global e a mais consistente organização deste espaço geopolítico são os BRICS+ onde precisamente se inclui a China e onde esta tem grande protagonismo. Em que medida é possível falar de não-alinhamento?  De algum modo, a Índia, sem deixar de pertencer aos BRICS, está a revelar uma autonomia que poderá ser seguida por outros países. No campo do não-alinhamento fraco caminhamos para uma solução assimétrica de maior proximidade com a China, mas mantendo distâncias determinadas por interesses nacionais ou lealdades regionais. Se, no fundo, se tratar de um alinhamento condicional, estou certo que a China o aceitará. Já o mesmo não aconteceria com os EUA que hoje, mais do que nunca, exigem alinhamentos incondicionais.

O não-alinhamento forte

O não-alinhamento forte assenta na ideia de que vivemos num tempo de transição entre paradigmas civilizacionais, entre o paradigma da civilização ocidental cujo domínio global começou com a expansão colonial europeia e um ou mais paradigmas emergentes ainda por determinar. Estamos, pois, num tempo de interregno no sentido que lhe deu Antônio Gramsci: o velho paradigma ainda não morreu completamente e o novo ainda não se mostrou de modo credível, um tempo de monstros ou de fenómenos mórbidos, como Gramsci acrecentava. Desta perspectiva paradigmática vivemos numa sociedade capitalista globalizada em que as rivalidades oficialmente reconhecidas visam a perpetuação do sistema mediante a mudança de protagonistas. As mudanças são de tempo longo, seculares, mas também podem resultar de catástrofes que aceleram os processos históricos.

A especificidade do não-alinhamento forte é a questão epistêmica. No  fundo, trata-se de saber que tipo de conhecimento deve orientar a compreensão do paradigma atual e estabelecer os quadros da sua transformação. O não-alinhamento forte exige novas epistemologias que eu tenho designado por epistemologias do Sul em que o Sul não é geográfico nem sequer geopolítico. É sobretudo epistémico e está presente nas lutas sociais que ocorrem tanto no Sul geográfico como no Norte geográfico.  Muito sucintamente, as epistemologias do Sul são constituídas por processos de validação de outros conhecimentos para além do conhecimento científico,  conhecimentos nascidos nas lutas contra a dominação ocidental moderna –uma dominação capitalista, colonialista e patriarcal—por parte dos grupos sociais que mais sofreram com essa dominação: operários, povos colonizados, povos indígenas, camponeses, mulheres, etc. Em suas lutas, sempre circulou uma pluralidade de conhecimentos, incluindo conhecimentos científicos, mas também conhecimentos ancestrais, populares, vernáculos. Esses conhecimentos não-científicos foram desprezados, suprimidos, proibidos pelas epistemologias do Norte global, o que designo por epistemicídio. As epistemologias do Sul consideram que a ciência é um conhecimento válido, mas não é único conhecimento válido e que, por isso, deve saber dialogar com outros conhecimentos. Visam recuperar esses conhecimentos na medida em que eles nos podem ajudar a pensar e a legitimar o novo paradigma civilizacional. Não se trata, pois, da adopção incondicional, romântica ou de celebração de alguma idade de ouro do passado. Trata-se de tornar possível um futuro mais justo nas relações entre os humanos e mais equitativo entre os humanos e a natureza.

Propostas para um não-alinhamento forte

1. Temos o direito a ser iguais quando a diferença não inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.

2. Não há direitos sem deveres. Os deveres devem existir na proporção da capacidade para impedir a violação dos direitos humanos e devem ser exigidos na proporção das consequências que podem resultar dessa violação. Os deveres não se podem limitar ao plano ético. O seu cumprimento deve ser exigido pelas ordens jurídicas existentes e a construir.

3. São reconhecidos os direitos da natureza entendida como princípio vital que sustenta a vida humana e não humana no planeta. Os deveres correspondentes incumbem ao Estado e aos cidadãos. As violações mais graves destes direitos constituem um novo crime contra a humanidade/natureza: o ecocídio.

4. O respeito pela vida e pela dignidade implica o reconhecimento da diversidade infinita dos modos de conhecer e viver (n)o mundo e conceber a vida, a dignidade, o viver bem e o conviver bem.

5. O direito à educação deve ser entendido como o direito à diversidade dos conhecimentos sobre direitos e deveres entre os seres humanos e nas suas relações com a natureza. A educação, em geral, e a universidade, em especial, devem ser reformadas para intervir eficazmente na disputa das narrativas sobre a transição paradigmática que se vai seguir.

6. Os diferentes modelos de desenvolvimento, incluindo os modelos de desenvolvimento alternativo, devem dar lugar às alternativas ao desenvolvimento: desmercantilizar, descolonizar, despatriarcalizar e democratizar. Fica proibida a obsolescência programada dos produtos industriais.

7. Os bens comuns são todos os bens que devem ser compartilhados por todos os seres humanos, homens e mulheres, sem discriminação, por serem essenciais para que a vida floresça e a dignidade prevaleça. É reconhecido o direito de livre acesso a bens comuns fundamentais como a água, o ar, o espaço, as florestas, os rios, os mares, as sementes, o espaço público, a cultura, a educação, a saúde, a electricidade, a informação, a comunicação, a internet.

8. A soberania alimentar deve ser um dos princípios orientadores da política agrícola. Os povos indígenas, povos descendentes de escravos, camponeses, têm direito aos seus territórios ancestrais ao seu sub-solo.

9. O rendimento básico universal é um dos instrumentos importantes para combater a crescente vulnerabilização dos trabalhadores e suas famílias, sobretudo tendo em vista o impacto da inteligência artificial nos processos produtivos.

10. A saúde é um bem público e não um negócio. As vacinas são um bem comum, público e universal. Devem ser produzidas tendo em atenção os interesses dos povos e disponibilizadas para serem de livre e universal acesso.

11. Deve assegurar-se a relocalização industrial de bens necessários para garantir a protecção da vida nas emergências recorrentes que previsivelmente vão caracterizar as próximas décadas. Pela mesma razão, o pequeno comércio e o comércio de proximidade devem ser as formas principais de distribuição de produtos ao consumidor.

12. Devido à sua pegada ecológica, a indústria internacional do turismo deve ter cada vez menos relevância na criação de riqueza e na geração de emprego.

13. O direito à urbanidade é tão válido quanto o direito à ruralidade. É urgente um novo tipo de relações entre o campo e a cidade. O rural não é anterior à cidade nem esta representa um estágio superior de convivência em relação ao rural. As cidades devem ser redimensionadas e resignificadas.

14.  Deve ser anulada a dívida pública dos países periféricos sempre que o peso desta impeça os países de cumprir os objectivos acima indicados. A partir do momento em que é declarada a existência de uma pandemia ou uma emergência de igual gravidade, ficam anulados todos os embargos e sanções económicas que impeçam os países atingidos de proteger a vida dos seus cidadãos.

Conclusão

Sem um horizonte pós-ocidental, as lutas do não-alinhamento não impedirão que o capitalismo se torne cada vez mais violento para com os humanos e para com a natureza. Trata-se de redistribuir de modo mais equitativo o medo e a esperança. Nos nossos dias, as grandes maiorias têm muito medo ante as vicissitudes do seu quotidiano e muito pouca esperança de que as coisas possam melhorar, enquanto uma pequeníssima minoria tem demasiada esperança que o mundo lhes continue a garantir os privilégios e muito pouco medo que isso não aconteça, por estarem convencidos que eliminaram ou cooptaram os inimigos. O não-alinhamento forte parte do princípio de que não será possível devolver a esperança às grandes maiorias sem incutir medo às pequeníssimas minorias.

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