O ostracisco de Wilson Simonal por Galindoluma
O cantor Wilson Simonal foi muito popular no Brasil na década de 1960,
sendo comparado a Roberto Carlos como fenômeno de massas. Pouco antes de morrer
em 2000, acuado com a pecha de delator da ditadura militar, falava em recompor
seu prestígio acusando a esquerda de perseguição ideológica e dizendo ser
vítima de racismo. Com o documentário – Ninguém Sabe o Duro Que Dei, em
cartaz, o debate se o
cantor era ou não serviçal dos milicos voltou à cena.
Muitos jornalistas, jornais, revistas aproveitam o documentário
para atacar a esquerda, falando em patrulhamento ideológico e que não haveria
provas alguma de que a estrela teria vínculos com o regime de exceção. Paulo
Vanzolini, poeta e zoólogo, autor de Ronda e daquele famoso refrão "levanta
sacode a poeira e dá a volta por cima" disse que o moço não só era delator, mas
tinha orgulho em ser. "Na frente de muitos amigos Simonal dizia que entregou
muita gente boa", diz o letrista, que arremata: "essa recuperação que estão
fazendo do Simonal é falsa". Ele era
dedo-duro mesmo".
A Folha de São Paulo nesta semana trouxe uma vasta reportagem
sobre o assunto que jogou por terra todos os esforços daqueles que pretendem
recuperar a imagem de Simonal e desmoralizar a esquerda como suposta
responsável pelo ocaso do intérprete negro.
O problema de Simonal
começa quando ele contrata um torturador
do Dops para exigir de seu contador, Raphael Viviani, a confissão de
desvio de recursos. Ao lado dos agentes da repressão o cantor seqüestra o
funcionário em sua residência de onde é levado para as dependências do Dops.
Lá, debaixo de choques elétricos, socos e pontapés, o funcionário assumiu o desfalque.
Isso vai gerar depois uma ação judicial cujas páginas, para mim, encerram as
dúvidas sobre a controvérsia em diversas passagens. Registre-se que apenas esse
episódio já seria o suficiente para se colocar em xeque o caráter do artista.
Em não poucas vezes o cantor vai ser referido no processo
citado na reportagem, como
"colaborador das autoridades na repressão à subversão". Selecionei pequenas partes da matéria com
alguns poucos trechos do processo para que você analise ao final do texto (se
quiser, envio depois a matéria completa – bastante extensa), mas antes
levantaria ainda dois aspectos. Qual a força que a esquerda tinha naquele
período sombrio para encerrar a carreira de um cantor de prestígio?
Ora, quase todos os meios
de comunicação de massa eram controlados e/ou aliados dos militares (a quem
Simonal apoiava) e os movimentos de resistência encontravam-se quase que
asfixiados com as prisões, torturas, assassinatos e exílios. No Brasil e no
mundo é comum cantores surgirem como fenômenos e desaparecerem do mesmo modo.
Na época de Simonal outros também fizeram sucesso e não mantiveram o fôlego,
como Vanderlei Cardoso, Jerry Adriani, Vanderleia e outros.
Se o episódio das delações corroía o astro e o deixava magoado e
triste, devia ser por um problema de consciência dele, talvez de
arrependimento, mas nunca por uma campanha organizada de perseguição contra
ele. Arrancar confissões sob tortura não deve provocar boas lembranças a
patrocinadores desse tipo de bestialidade humana.
O outro argumento, de racismo, para o ostracismo do apologista do golpe militar é outra balela. Daquele período tivemos
também Jair Rodrigues e próprio Jorge Benjor que mantem suas
carreiras até hoje, porém, sem o sucesso da fase inicial. Portanto,
aqueles que se emocionaram com o documentário, é bom ter cautela. Lembrem-se
ainda de que para sacudir a poeira e dar a volta por cima não é pra qualquer
um, principalmente para quem delatou para o regime militar companheiros e
companheiras que poderiam ser torturados e mortos pelos amigos do cantor.
Simonal tentou. Não conseguiu.
"Todos esses
documentos integram o processo 3.5 40, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal,
concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve divergência: dos
amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que
Simonal -e ele assentia- era informante do Dops".
"Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência contra
Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação "visto aqui cooperar com
informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos
subterrâneos… subversivos no meio artístico". Ou seja, o primeiro a
sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e antes da ação da polícia.
Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops
"oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos"
-outro denunciado por sevícias contra opositores..
Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como "homem de
direita" e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, "como
da área subversiva", "uma irmã do senhor Carlito Maia" -era a
produtora cultural Dulce Maia, "O declarante aqui comparece visto a
confiança que deposita nos policiais aqui lotados e visto aqui cooperar com
informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos
subterrâneos… subversivos no meio artístico"; "Como sabe V. Sa., o cantor
Wilson Simonal é elemento ligado não só ao Dops, como
a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o
governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos
públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há
tanto tempo faltava."Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do
Dops; "O primeiro acusado, Wilson Simonal, era informante do Dops e diversas
vezes forneceu indicações positivas sobre atividade de elementos subversivos
(idem)."Conhece o primeiro acusado [Wilson Simonal] porque após a
revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças
Armadas."Expedito de Souza Pereira, tenente-coronel do Exército;
"Simonal se diz, com todas as letras neste
processo, um colaborador dos órgãos de informação, por se tratar de homem de
direita. A sua defesa corroborou isso com cifras definitivas […]. Daquela
época ["Revolução de 1964′] ao fato da denúncia se perfizeram 7 anos e
meses de atividade policial auxiliar voluntária de Simonal; ""Que Wilson
Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops é
fato confirmado […]."João de Deus Lacerda Menna Barreto, juiz da 23ª
Vara Criminal, na sentença do processo 3.540/72; ""O primeiro apelante,
Wilson Simonal de Castro, era colaborador das Forças Armadas e informante do
Dops […]."Antônio Carlos Biscaia, promotor de Justiça, em contra-razões
de recurso
"Relatório interno do Departamento de Ordem Política e
Social da Guanabara, com carimbo "confidencial", resumiu em 30 de
agosto de 1971 a
relação com Wilson Simonal: "É elemento ligado não só ao Dops, como a
outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o
governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos
públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há
tanto tempo faltava".
"Em agosto de 1982, ainda na ditadura, a Folha circulou
com entrevista de Simonal em que ele afirmou: "Dizer que eu dedurei os
cantores comunistas é meio calhorda. Eles próprios nunca negaram que eram
comunistas. Chico Buarque, Caetano Veloso jamais disseram o inverso. E qualquer
criança sabe o que eles são…"