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O país precisa passar a sua história a limpo. Dane-se quem aderiu ao mal. Por Denise Assis

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura
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Na hipótese de resolver puxar para si toda a culpa, Mauro Cid estaria seguindo um roteiro combinado com o “chefe”

Desde a derrota de Jair Bolsonaro, em 30 de outubro de 2022, nunca, jamais, se viu o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sair em defesa enfática do ex-presidente, como se viu ontem (16/05), dia do seu depoimento à Polícia Federal. Coincidentemente também Ciro Nogueira – uma espécie de seu ex-primeiro-ministro -, veio a público fazer coro com Costa Neto: “Bolsonaro não ficará inelegível”. Certeza, mesmo, só nas palavras, porque no frigir dos ovos é isso que estão mirando no horizonte e repetem na encolha, a despeito do que afirmam publicamente.

Em sua ida à PF, Bolsonaro fez o “tolinho”. Não sabe de nada, não comandou nada, não deu ordem para nada. Ao negar, porém, que tenha tomado vacina, ao contrário do que consta dos registros inseridos, apagados e reinseridos no ConecteSUS, horas antes de sua viagem aos EUA, por seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel da ativa, Mauro Cid, ele o deixa na chuva, chorando na pedrinha fria.

As consequências, sob todos os aspectos, não são boas para Bolsonaro. Mauro Cid irá depor amanhã (18/05), e sua mulher, no próximo dia 19. O tenente-coronel pode querer puxar para si toda a culpa, levando-se em conta que é tradição militar não trair o seu superior, não delatar. É sabido, porém, o extremo desgosto do general Lorena Cid (pai do militar), pela situação do filho. A ponto de já ter se dirigido ao Alto Comando, pedindo que interceda na situação, mesmo consciente de que isto não seria possível. O presidente do Supremo Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo, já disse que seu caso é da conta da Justiça comum e não do tribunal que preside. A mesma resposta o general ouviu dos seus pares.

Acontece que a dosimetria da pena para quem falsifica documentos públicos, como Cid o fez, é de cinco anos. Lorena Cid ouviu também que enquanto o processo estiver na Justiça comum, sem desfecho, o Exército Brasileiro não move uma palha contra o tenente-coronel. No entanto, se condenado a uma pena maior que dois anos, o STM abre um processo de expulsão contra ele e não irá poupar o seu filho. Ainda que pertença a uma família de tradição militar.

A outra opção, é Mauro Cid permanecer em silêncio em seu depoimento. Neste caso, deixará a eloquência por conta do seu celular, cuja transcrição a Polícia Federal concluiu hoje e, diz-se, encontrou provas contundentes não só sobre a falsificação de cartões de vacinas, mas também uma trama bem urdida do golpe a ser desfechado – naquela época –, contra o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Os planos incluíam: a prisão de Lula, a do presidente do TSE e ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, e ataques às instituições, com muito barulho. O suficiente para convencer – os ainda arredios militares do Alto Comando -, a colocarem as tropas na rua, cumprindo uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que garantiria o retorno de Bolsonaro ao cargo, rejeitando o resultado das eleições. Tudo como assistimos no desenrolar dos fatos que antecederam o 8 de janeiro, exceto o final, ainda bem.

Na hipótese de resolver puxar para si toda a culpa, Mauro Cid estaria seguindo um roteiro combinado com o “chefe”. O de se deixar condenar a uma pena leve, cumpri-la e, em seguida, deixar o país com alguma compensação e a desonra de ser um morto-vivo para o Exército. Sendo filho de quem é, na decisão vão pesar as conversas que tem trocado com o pai. E, a conferir, o apoio da esposa. Pode ser que ela esteja tão indignada quanto o sogro, em ver o marido à beira da expulsão de uma carreira prestes a se encaminhar para o generalato.

Nunca é demais lembrar que o historiador e professor de Mauro Cid na Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), Francisco Carlos Teixeira, não se cansa de apontá-lo como um aluno 01, ou seja, o primeiro da turma, prestes a embarcar para Maryland, onde faria o doutorado para, em seguida, fazer o curso do Estado maior e obter a patente de general. Cid, no entanto, como dizem as crianças num olhar maniqueísta, preferiu ser “do mal”, ao lado de Bolsonaro. Tornou-se conselheiro, faz-tudo e filtrador-chefe de informações. Agia em comum acordo com os dois outros membros da “Sagrada Famiglia”: Gal Ramos e Gal Augusto Heleno.

Nessa condição, entrou de cabeça no “plano de fuga” do ex-presidente – sim, é disso que se trata quando o tenente-coronel providenciou cartões de vacina para quantos dos negacionistas fossem acompanhá-lo aos EUA –, e jogou para o alto o seu futuro.

Para Bolsonaro, era o cenário perfeito do seu habitual “eu nem estava no Brasil”. Para Mauro Cid, a possibilidade de um retorno ao lado do mandatário absoluto e absolutista do seu país, para cumprir uma nova etapa em cargo privilegiado.

Deu errado. A soma dos dados dos celulares do tenente coronel – por enquanto -, com a do Anderson torres, já deu a Alexandre de Moraes a tranquilidade para garantir que, se agir com toda a calma, daqui a seis meses poderá não só conseguir a inelegibilidade de Bolsonaro, como a sua prisão com provas tão incontentáveis, que o levarão a uma condenação. O país precisa passar sua história a limpo. Dane-se quem aderiu ao “mal”.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de “Propaganda e cinema a serviço do golpe – 1962/1964” , “Imaculada” e “Claudio Guerra: Matar e Queimar”. É Integrante do Jornalistas pela Democracia

 

Artigo publicado em O país precisa passar a sua história a limpo. Dane-se quem aderiu ao mal – Denise Assis – Brasil 247

 

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