O Plano Haddad e o futuro. Por Tereza Cruvinel
O marco fiscal apresentado pelo ministro Fernando Haddad e equipe ditará o futuro da economia brasileira nos próximos quatro anos (logo, o de tods nós), e por decorrência o futuro do governo Lula e o destino político do próprio Haddad. Afora a consistência técnica, a costura política prévia foi bem feita, aplainando o caminho para a aprovação no Congresso.
A proposta conseguiu atender à demanda fiscalista, de regras para equilibrar as contas federais e controlar a evolução da dívida pública, e também à exigência, digamos, social-desenvolvimentista do presidente Lula, ao garantir espaço para o investimento e o crescimento, e também para as políticas sociais. Haddad chegou o mais próximo possível do desafio por ele mesmo definido como “agradar de Campos Neto a Gleisi Hoffmann”. Nem o presidente do BC nem a presidente do PT soltaram fogos mas também não a atacaram.
Entre economistas, empresários e políticos a reação foi positiva, com ressalvas pertinentes quanto a um ponto essencial: o êxito da aplicação do plano dependerá muito do crescimento das receitas. Logo, de uma reforma tributária que não signifique aumento da carga tributária atual, vale dizer, que não crie novos impostos ou aumente alíquotas de tributos existentes. O dinheiro terá que vir, então, dos que sonegam e dos que não pagam impostos, resumindo o slogan eleitoral de Lula: os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda.
O êxito está atrelado ao crescimento da receita porque a âncora principal é a regra que permite ao governo expandir o gasto em, no máximo, 70% da expansão da receita. Com a “sobra” de recursos é que Haddad espera alcançar o objetivo ambicioso de zerar o deficit fiscal no ano que vem, fazer um superavit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026. O deficit deste ano ficará numa banda flutuante entre 0,25% e 0,75% do PIB. A meta é fechar o ano com deficit de 0,5%. Terá que haver aperto para se chegar a tanto.
Mas não só de aperto é feito o plano de Haddad. Um ponto anticíclico da proposta, para uma economia constipada, é o que estabelece um piso de investimento de R$ 75 bilhões mais a inflação. Esta regra pró-crescimento atende Lula em sua angústia para que a economia se mexa e gere empregos. O mesmo vale para a previsão de que, se a meta fiscal for superada, o excedente será destinado a investimentos.
Diferentemente do teto de gastos de Temer, que limitava o aumento do gasto ao valor do ano anterior corrigido pela inflação, imobilizando o governo e ignorando os imprevistos, como aconteceu no estouro da pandemia, a proposta estabelece que a despesa, desde que limitada a 70% do crescimento da arrecadação, poderá crescer entre 0,6% e 2.5% acima da inflação. Esta é outra reserva para que o governo possa avançar com políticas públicas para o bem de todos, especialmente para socorrer os mais pobres.
Vai também ao encontro das demandas do presidente Lula a manutenção dos gastos mínimos constitucionais com educação e saúde. Ficam também fora dos linites os gastos com o Fundeb, que financia a educação básica, e com o piso nacional de enfermagem.
Afora outras bandas e gatilhos, este é o cerne do plano Haddad. Se a implementação for exitosa, lembrando sempre a dependência da reforma tributária que ficará para o segundo semestre, Lula disporá das condições para fazer o governo com que sonha: de crescimento econômico, geração de empregos, maior bem estar para todos e redução da miséria que campeia no Brasil.
Quando ele escolheu Haddad para ministro da Fazenda, houve quem disse que era um erro sacrificar o quadro mais promissor do PT numa missão espinhosa, em que ele poderia ser carbonizado. A herança foi das piores: Bolsonaro desmoralizou a regra do teto de gastos, entregou um deficit e uma dívida pública cavalares, enfim, uma economia desorganizada e sem perspectivas. Ele irá sempre usar a pandemia como desculpa mas foi para tentar se eleger que ele cometeu os maiores desatinos, a queima de recursos que arrombou de vez as contas.
Mas Haddad também queria o cargo e agora faz uma aposta alta. Se tiver êxito, estará credenciado a disputar a sucessão de Lula, a não ser que ele resolva disputar a reeleição, o que descartou na campanha mas já disse que, dependendo da situação, pode concorrer.
Falta, como já dito, a reforma tributária e a aprovação parlamentar. A propostá será apresentada ao Congresso, possivelmente na semana que vem, através de um projeto de lei complementar (PLC) , como previsto na chamada PEC da transição. Não sendo por medida provisória, passará ao largo da querela entre Senado e Câmara sobre o rito, mas exigirá um quórum alto. Não tão alto como o das PEC, de 308 votos na Câmara, mas o de maioria absoluta, 257 votos na Câmara, por exemplo.
No primeiro momento, ouvimos elogios dos líderes, e até de parlamentares da oposição. O presidente da Câmara, Arthur Lira, aplaudiu com a ressalva de que agora é preciso garantir o crescimento da arredação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi mais efusivo, e a situação do governo na Casa é mais tranquila.
De sua parte, Lira já antecipou que indicará como relator na Câmara um deputado do PP. E este foi um pedido sabe de quem? Do presidente do partido, Ciro Nogueira, ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Obviamente não fez o pedido porque deseja ajudar o governo Lula. Os cotados são os deputados Claudio Cajado (BA), Covati Filho (RS), Fernando Monteiro (PE) e Mário Negromonte (BA). Este último, tendo sido ministro de Dilma, talvez agrade mais o governo. Tudo o que não interessa a Haddad é um relator que resolva fazer mudanças nas regras fundamentais.
Aprovar o plano será o grande teste político do governo, agora mais do que nunca premido pela necessidade de consolidar uma base de apoio. Aprovar o plano, e executá-lo com sucesso, é a chave do futuro.
Tereza Cruvinel
Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos
Artigo publicado originalmente em O Plano Haddad e o futuro – Tereza Cruvinel – Brasil 247