O que os homens querem por Nelson Ascher
Homem quer mulher; mulheres em quantidade nem sempre infinita
ENTRE todas as perguntas idiotas já formuladas, há uma que suplanta as demais: o que é que as mulheres querem?
Homem quer mulher; mulheres em quantidade nem sempre infinita
ENTRE todas as perguntas idiotas já formuladas, há uma que suplanta as demais: o que é que as mulheres querem?
É idiota porque o mundo inteiro, inclusive sua metade feminina, sabe
muito bem qual a resposta, ou seja, a despeito de adaptações óbvias e
inversões previsíveis, o mesmo que os homens. A dura verdade, no
entanto, é que, depois de certa idade, estes deixam de perder os
cabelos com a questão, enquanto elas se dilaceram cada vez mais
perscrutando os insondáveis mistérios do inimigo, digo, do sexo oposto.
Que
são, aliás, pseudo-mistérios, pois, quando inquirido, o grosso dos
suspeitos entrega, sem relutar, os fatos nus e crus. Homem quer mulher
ou, mais precisamente, mulheres em quantidade nem sempre infinita, nem
sequer exagerada, mas, de preferência, ilimitada. E, malgrado milênios
de condicionamento humilhante, preferiria obtê-las somente em troca de
si, isto é, jamais compreenderá nem aceitará que sua participação, uma
vez assegurada, vale tão pouco que, para compensar o prejuízo
ocasionado, ele seja obrigado a ganhar o pão dos dois (o pãozinho dele
e o brioche light dela), repartir os próprios bens, pagar pensão
alimentícia, ouvir queixas perpétuas e ainda passar por vilão.
Quanto
às mulheres, além do casamento estável com um príncipe encantado,
altruísta e fiel, elas, como explicou uma pensadora famosa, querem
apenas se divertir ("girls just wanna have fun"), e isso por menos que
ambos seus anseios se resolvam necessariamente com um só parceiro.
Agora, caso aquele que cuida do primeiro quesito questione tal divisão
de trabalho, caberá ao lado mais sensato do casal patentear-lhe que, ao
ver essa biodiversidade antes pelo prisma da concorrência que pelo da
complementaridade, ele (lágrimas nos olhos) a decepcionou
profundamente…
Se as metas de cada contendor são claras assim,
evidentes e reconhecíveis com um mínimo de bom-senso (ou, na ausência
deste, graças ao método infalível batizado às vezes de "tentativa e
erro", às vezes de "longa experiência"), o que leva sobretudo mulheres
maduras a fazerem tanto de conta que não nos entendem que, ao fim e ao
cabo, acabam de fato não nos entendendo?
Como é que moças
inteligentes são capazes de afirmar e, pior, de crer em disparates como
o de que tal ou qual sujeito de meia-idade desposou tal ou qual jovem
bonita para causar inveja aos amigos? Quem exiba continuamente qualquer
mulher, uma única, ou tem algo a esconder ou, caso se trate de ostentar
algo, é uma condição sócio-econômica recém-atingida (para nem falarmos
do pragmatismo genético que há nos cromossomos altos e loiros que o pai
adquiriu para a prole).
Aparecer uma vez com a Salma Hayek decerto
melhora a imagem de um homem. A segunda aparição, contudo, já é
considerada namoro e, conseqüentemente, não conta mais. Quanto à
terceira, esta, diante dos amigos, equivale ao casamento e acarreta,
portanto, a perda de pontos. Homens casados nunca invejam outro marido.
O que todos invejam são, por um lado, os ainda ou novamente solteiros
(segundo um amigo meu "o viúvo que volta a se casar não merece a sorte
que teve") e, por outro, os que aparecem em cada festa ou jantar com
uma noiva diferente.
A raiz do mal-entendido se encontra numa ferida
que as mulheres infligem incessantemente à própria alma. Anaïs Nin deu,
sem querer, com a língua nos dentes ao escrever que as mulheres andavam
"em busca do homem sensível". Fosse assim, tão logo o encontram, não o
trocariam por algum "serial-killer" sobrecarregado de testosterona.
Sucede que elas nunca admitirão, de início frente a nós, mas logo em
seu íntimo mais recôndito, a banalidade do real, porque, agindo de tal
modo, legitimariam a aparente falta masculina de discernimento, nosso
criticável (e criticado) apego primitivo às meras aparências.
Como
declaramos sem rodeios desejarmos o que elas sabem na medula dos ossos
que também desejam, as mulheres começam uma hora a achar que,
valendo-nos de eufemismos como os delas, quem sabe queiramos o
contrário. Não que acreditem seriamente nisso, mas as possibilidades
abertas por tamanho despropósito lhes permitem dedicarem-se a seu
esporte favorito, a saber, complicar o que é simples com o intuito, por
exemplo, de imaginarem que, se os homens as rejeitam, isso comprova seu
desejo reprimido e, quando juram desejá-las, talvez não seja verdade e
daí por diante, pois, afinal, por que ele ainda não ligou, não é que
seu tom de voz estava meio estranho, será que ele não me ama mais?
Artigo Publicado originalmente na Folha de São Paulo de 16.10.2006