O retorno pra terra dos imbecis. Por Zuggi Almeida
A fila gigantesca serpenteia no salão de embarque. Poderiam ser retirantes, mas longe de compará-los aos sertanejos: os nordestinos são cabras fortes resistindo à seca por séculos. Esses são os heróis verdadeiros.
Essa espécie em exôdo é composta de gente derrotada, gente vazia com semblantes desiludidos onde a incerteza se faz presente. Existem semelhanças nos andrajos verde/amarelo desbotados e nas bandeiras nacionais transformadas em trouxas carregadas de desilusão misturada ao orgulho ferido.
Um silêncio mortuário domina o ambiente apenas interrompido por murmúrios, lamentos e choros contidos.
Um breve retrospecto e esses personagens estavam ocupando quatro anos atrás avenidas e sacadas onde soltavam berros ufanistas ao espocar das garrafas de espumantes. A euforia tomou corpos e mentes salvadoras de uma ameaça ilusória chamada comunismo.
O delírio foi convertido na peste capaz de contaminar a tradicional família brasileira. Ser gente de bem estava na ordem do dia.
Foi convocado o exército defensor dos bons costumes, da moralidade e do civismo.
A pura representação da nata do povo brasileiro, excluídos negros, indígenas, gente trans, deficientes e todo outro qualquer que não obedecessem aos padrões impostos por essa elite-cidadã.
Estava criado o neo-brasileiro.
Mas as informações do rótulo não condizem com a composição do conteúdo e mais uma vez o consumidor foi traído pela propaganda enganosa.
Desesperados buscam amparo nos portões dos quartéis, mas recepcionados com chutes nas bundas. Deprimente.
Um corte brusco e retornamos ao salão de embarque onde em passos de romaria a multidão walking-dead toma assentos em vagões que irão conduzir todos eles para a Terra dos Imbecis.
Atenção para última chamada.
No comando do trem está um senhor de olhar perdido vestindo uniforme militar, em cujo as medidas não cabem no abdômem avantajado.
A composição parte pra nunca mais voltar. Toca o berrante e o coro da manada responde em tom de lamento:
– Muuuuuuuuu !!!
Zuggi Almeida é escritor e roteirista

