O Samba. Do Figurino Hollywoodiano ao Ghetto. Por Nelson Varón Cadena
Quando o samba migrou das Escolas de Samba para os blocos de índios — por uma necessidade de sobrevivência, de manter vivo o seu espaço e a sua batida percussiva —, se vestiu de cinema. Inspirado nas etnias hollywoodianas, apareceu na Avenida trajando Apaches, Comanches, Sioux e Moicanos. O samba ganhou figurino americanizado.
Hollywood e a América se impuseram com força. Vieram Aladim e o gênio da lâmpada, os sheiks de Os Mercadores e Cavaleiros de Bagdá, e toda uma leva de árabes, marinheiros, odaliscas, piratas, faroestes e mexicanos que, nos anos 1960, dominaram os blocos tradicionais. A estética do cinema logo se espalhou para os blocos de índios e, adiante, para o movimento Black Power, na estreia do Ilê Aiyê, em 1975.
O Carnaval da Bahia “Made in United States” nunca mais deixou a Avenida. Não mais pela influência de Hollywood, mas pelas ondas identitárias que vieram dos guetos norte-americanos. O funk e suas variantes criaram a cultura dos paredões, onde se inseriu o pagodão — convenhamos, uma forma de samba —, que reinou e ainda reina soberano. O Carnaval Made in United States também incorporou os DJs e a música eletrônica, elevada aos trios elétricos.
O samba resistiu. O Axé Music o acolheu e dele se alimentou, quando Neguinho do Samba, em suas experimentações musicais, criou o samba-reggae — o casamento Brasil-Jamaica — que se incorporou ao repertório das maiores estrelas do Axé. Os blocos de trio, pela sua própria natureza, distanciaram-se das origens do Carnaval. Nenhuma crítica — apenas uma constatação.
No século XIX, o Carnaval nascia com um enredo-tema — tanto nos blocos da elite quanto nos afros e afoxés. Eram chamados carros de ideias, numa alusão aos carros alegóricos que desfilavam contando histórias através da música, das coreografias e dos figurinos — como fazem hoje as Escolas de Samba. Se o enredo-tema desapareceu nos blocos de trio, ressurgiu com força nos blocos afros e nos afoxés surgidos a partir da década de 1980 — e antes disso, no Ilê. O tema-enredo ainda hoje é a alma dessas agremiações.
Você deve se perguntar: o samba nasceu junto com o Carnaval de Salvador? Não. O enredo-tema dos blocos da elite oitocentista evocava as guerras europeias e as epopeias heroicas, embaladas por músicas de marcha militar. Já os blocos afros e afoxés, por sua vez, evocavam as epopeias africanas, seus ícones religiosos e a musicalidade dos terreiros. Inovaram ao trazer para o Carnaval de rua a música cantada em nagô. Oito décadas se passariam antes que a voz no trio substituísse a música instrumental.
O samba estreou na Avenida nos Anos 1920, discretamente. Ganhou força com o rádio, na década de 1930. E desde então, reinventa-se toda vez que tentam excluí-lo das ruas. O samba nunca saiu do Carnaval — apenas mudou o requebrado. Quais os protagonistas dessa trajetória? Para a semana a gente conta.
Nelson Varón Cadena é Escritor e Jornalista
De minha autoria, publicado hoje no Jornal Correio
Imagem: Mercadores de Bagdá, o imaginário do oriente do cinema, em foto da Fundação Gregório de Mattos/PMS.
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