Aldeia Nagô
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O sentido do humor e da festa por Leonardo Boff

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Os tempos não são bons. A humanidade é conduzida por líderes
na maioria negativos e medíocres. As religiões, quase todas, estão doentes de
fundamentalismo, arrogância e dogmatismo, não excluídos setores da Igreja
Católica Romana, contaminados pelo pessimismo cultural do atual Papa.


Mesmo assim há ainda lugar para o humor e o sentido da
festa? Creio que sim. Apesar dos absurdos existenciais, a maioria das pessoas
não deixa de confiar na bondade fundamental da vida. Levanta-se pela manhã, vai
ao trabalho, luta pela família, procura viver com um mínimo de decência (tão
traída pelos políticos) e aceita enfrentar sacrifícios por valores que
realmente contam. O que se esconde por detrás de tais gestos cotidianos? Ai se
afirma de forma pré-reflexa e inconsciente: a vida tem sentido; aceitamos
morrer, mas a vida é tão boa, como disse, antes de morrer, François Mitterand.

Sociólogos como Peter Berger e Eric Vögelin têm insistido em
suas reflexões que o ser humano possui uma tendência inarredável para ordem.
Onde quer que ele apareça, cria logo um arranjo existencial com ordens e
valores que lhe garantem uma vida minimamente humana e pacífica.

É esta bondade intrínseca da vida que permite a festa e
sentido de humor. Através da festa, no sacro e no profano, todas as coisas se
reconciliam. Como afirmava Nietzsche, "festejar é poder dizer: sejam
bem-vindas todas as coisas". Pela festa o ser humano rompe o ritmo
monótono do cotidiano, faz uma parada para respirar e viver a alegria de
estar-juntos, na amizade e na satisfação de comer e de beber. Na festa, o beber
e o comer não têm uma finalidade prática de matar a fome ou a sede, mas de
gozar do encontro e de celebrar a amizade. Na festa o tempo do relógio não
conta e é dado ao ser humano, por um momento, vivenciar o tempo mítico de um
mundo reconciliado consigo mesmo. Por isso, inimigos e desconhecidos são
estranhos no ninho da festa, pois esta supõe a ordem e a alegria na bondade das
pessoas e das coisas. A música, a dança, a gentileza e a roupa festiva
pertencem ao mundo da festa. Por tais elementos o ser humano traduz seu sim ao
mundo que o cerca e a confiança em sua harmonia essencial.  

Esta última confiança dá origem ao senso de humor. Ter humor
é possuir a capacidade de perceber a discrepância entre duas realidades: entre
os fatos brutos e o sonho, entre as limitações do sistema e o poder da fantasia
criadora. No humor ocorre um sentimento de alívio face às limitações da
existência e até das próprias tragédias. O humor é sinal da transcendência do
ser humano que sempre pode estar para além de qualquer situação. No seu ser
mais profundo é um livre. Por isso pode sorrir e ter humor sobre as maneiras
que o querem enquadrar, sobre a violência com a qual se pretende submetê-lo.
Somente aquele que é capaz de relativizar as coisas mais sérias, embora as
assuma num efetivo engajamento, pode ter bom humor.

O maior inimigo do humor é o fundamentalista e o dogmático.
Ninguém viu um terrorista sorrir ou um severo conservador cristão esboçar um
sorriso. Geralmente são tão tristes como se fossem ao próprio enterro. Basta
ver seus rostos crispados. Não raro são reacionários e até violentos.

Em última instância, a essência secreta do humor reside numa
atitude religiosa, mesmo esquecida no mundo profano, pois o humor vê as
realidades todas em sua insuficiência diante da Última Realidade. O humor e a
festa revelam que há sempre uma reserva de sentido que nos permite ainda viver
e sorrir.


* Teólogo e
professor emérito de ética da UERJ

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