Obra poética de Belchior dialogou com Os Beatles e também com Bob Dylan. Por Leonardo Attuch
No ano em que Bob Dylan recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, é hora de também reverenciar o grande poeta-cantante da música popular brasileira. Belchior, que partiu neste fim de semana, deixa uma obra para a eternidade. Não apenas pela qualidade de suas melodias, mas, sobretudo, pela força poética de suas letras.
Estudante de medicina que largou tudo para se tornar músico, Belchior foi fortemente influenciado por dois ícones de sua geração: os Beatles e Bob Dylan. E não seria exagero dizer que Belchior foi o Dylan brasileiro com suas letras literárias, fortemente imagéticas, que valem por romances e marcam o patrimônio cultural de um País, como em “Apenas um Rapaz Latino Americano”, aquele sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior, ou em “Alucinação”, que retrata “um preto, um pobre, uma estudante, uma mulher sozinha, blue jeans e motocicletas, pessoas cinzas normais, garotas dentro da noite, revólver: cheira cachorro, os humilhados do parque, com os seus jornais”.
Em “Fotografia 3×4”, Belchior ecoa Bob Dylan, mas também os Beatles de “She’s leaving home”. “Em cada esquina que eu passava um guarda me parava, pedia os meus documentos e depois sorria, examinando o 3×4 da fotografia e estranhando o nome do lugar de onde eu vinha”. Como não se emocionar com os versos finais de uma história vivida por tantos brasileiros:
A minha história é talvez
É talvez igual a tua, jovem que desceu do norte
Que no sul viveu na rua
Que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo
Que ficou desapontado, como é comum no seu tempo
Que ficou apaixonado e violento como você
Eu sou como você
Eu sou como você
O diálogo entre Belchior e os Beatles foi, muitas vezes, explícito, como no verso “a felicidade é uma arma quente”, nos seus “Comentários a respeito de John”, que traduz o clássico “Happiness is warm gun”.
Em “Velha Roupa Colorida”, as referências são a Paul e a Poe – Paul McCartney e Edgar Allan Poe, em versos geniais, que aproximam o Blackbird dos Beatles do Corvo do poeta norte-americano.
Como Poe, poeta louco americano
Eu pergunto ao passarinho: Blackbird, o que se faz?
Raven never raven never raven
Blackbird me responde
Tudo já ficou pra trás
Raven never raven never raven
Assum-preto me responde
O passado nunca mais
Numa de suas canções de maior sucesso, “Medo de Avião”, Belchior, mais uma vez, presta reverência aos Beatles de “I wanna hold your hand”, num sentido jamais imaginado por Lennon e McCartney.
Mas Belchior, assim como Dylan, foi um poeta muito além dos limites da MPB. Seu verso “No Corcovado, quem abre os braços sou eu”, em Paralelas, é um dos mais tocantes da literatura em língua portuguesa. E poucas cenas são tão cortantes quanto os versos de “Na hora do almoço”, que ecoam Drummond. Ou também os de “A palo seco”, em que a palavra é uma lâmina cortante, como em João Cabral de Melo Neto.
Comentário a respeito de John (Saia do meu caminho)
Belchior não deve ser apenas homenageado e reverenciado. Deveria ser estudado em todas as escolas do País como um dos maiores poetas que o Brasil já produziu.
Abaixo, alguns de seus clássicos, que dialogam com Bob Dylan, com os Beatles e com Drummond e João Cabral.
Artigo publicado originalmente em http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/293095/Obra-po%C3%A9tica-de-Belchior-dialogou-com-os-Beatles-e-tamb%C3%A9m-com-Bob-Dylan.htm