Os abusos e o exibicionismo da PF, por Janio de Freitas
Na companhia dos primeiros condenados a usufruir do prêmio por sua delação, dois dos suspeitos da Lava Jato foram inocentados pelo juiz Sergio Moro. Márcio Andrade Bonilho, dirigente da empresa Sanko Sider, fora colhido no roldão, sem ser notado.
Adarico Negromonte Filho poderia tornar-se notado por ser irmão de um ex-ministro das Cidades, Mário Negromonte. Mas recebeu destaque por juntar àquela condição a de ser dado como fugitivo, porque não encontrado pelo arrastão da Polícia Federal. Preferiu ter ideia do que se passava, não teve, e dias depois se apresentou à polícia.
A conduta da Polícia Federal na Lava Jato foi o pretexto para a convocação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pela CPI da Petrobras, na Câmara. O deputado Eduardo Cunha, seus seguidores e o senador Renan Calheiros têm acusado a polícia, como parte da Lava Jato, de criar suspeições com objetivo político, por ordem do governo. Cunha e Renan foram citados no primeiro semestre do ano passado, no início da operação. Àquela altura não haveria motivo para o governo complicar a vida do deputado ainda discreto. E o senador era aliado de razoável comportamento com a candidata do PT à reeleição.
Um argumento óbvio foi suficiente para o ministro liquidar a questão central: ao ministro da Justiça não cabe interferir na autonomia das investigações da Polícia Federal, competindo-lhe agir apenas em caso de anormalidade. Foi o que fez o então ministro Márcio Thomaz Bastos, ao qual se deve que a Polícia Federal deixasse de ser discriminatória, e se iniciassem no Brasil as investigações dos grandes sonegadores, contrabandistas do luxo e praticantes de fraudes. Mas o mesmo Thomaz Bastos teve, de repente, de interferir: na euforia da sua nova ação, a Polícia Federal passara a adotar arbitrariedades, abusos de poder e de exibicionismo.
O que Márcio Thomaz Bastos fez é o que José Eduardo Cardozo está por fazer. A prisão de Adarico Negromonte Filho, ao se apresentar, proporcionou uma das imagens do inaceitável: algemado (por quê?) e cercado de policiais federais nos seus sinistros uniformes pretos, de duvidosa legalidade, Adarico é forçado a apressar o passo pela mão de um policial apertada em sua nuca como garra, forçando-o ainda a encurvar-se, cabeça humilhantemente abaixada. A cena ilustrou o noticiário da Lava Jato nas tevês e nos jornais.
Nem que o seu preso fosse culpado, a Polícia Federal poderia justificar seu modo de agir. Mas, além disso, Adarico Negromonte Filho, preso apenas por quatro dias, é declarado inocente pelo juiz Sergio Moro. Embora, para ser assim declarado, precisasse esperar por oito meses.
Alternativa de imagem simbólica, ainda mais exibida e repetida até hoje, Marcelo Odebrecht é levado preso por policiais federais, em sua imitação sinistra de série de tv, cobertos de coldres e bolsas de armas e granadas e munições –e fuzil. Em diagonal no peito, dedo sobre o gatilho. É uma configuração completa da violência gratuita, absurda, prepotente. A conduta sóbria do policial de feições orientais, o mais presente e sempre contido nas prisões da Lava Jato, não atenua a situação. Até a agrava, pelo contraste.
A criminalidade violenta exige das polícias, inclusive por sobrevivência, condições e disposições de ação ditadas pelos que se põem como inimigos armados e violentos. Não é o caso, no entanto, das prisões da Lava Jato e das numerosas operações contra corruptos, sonegadores e suspeitos equivalentes.
O exibicionismo policial não é só violento em si mesmo. Como sintoma, exprime e irradia abusos de poder. Um exemplo grave está documentado em representação agora feita pela OAB: a Polícia Federal impediu a advogada Dora Cavalcanti de acompanhar a inquirição de um cliente, direito de defesa assegurado pela própria Constituição.
A perda de interesse da imprensa por notícias tem omitido do público a quantidade e a importância das operações praticadas pela Polícia Federal a cada dia, no país quase todo. É um trabalho feito com competência crescente. Mas os abusos que aí se incluam passam de ação policial a outras coisas. E José Eduardo Cardozo diz que anormalidades são caso de providências ministeriais.
SÓ MÉRITO
O Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo dado a Dorrit Harazim é justíssimo. Rigorosa no teor e brilhante na forma, sem temores e sem artimanhas políticas, assim Dorrit alicerça o seu talento para um jornalismo fascinante.
Da Folha