Os tempos do rito. Por Jânio de Freitas
A própria agenda do Senado demonstra o caráter de mero salvamento das aparências no rito para aceitação ou recusa de processo de impeachment. Às sessões de acusação corresponderam sessões de defesa, como convém. Mas com diferença importante.
A última apresentação da defesa de Dilma Rousseff deu-se anteontem, terça, à tarde. Ricardo Lodi Ribeiro, professor de Direito Financeiro da Uerj, e Geraldo Mascarenhas Prado, da UFRJ, consolidaram os argumentos defensivos anteriores e acrescentaram os seus. Estabeleceram com competência o que Marcelo Coelho definiu como “a dimensão realmente diminuta dos atos presidenciais que justificariam o pedido de impeachment”. Mesmo um entusiasta do impeachment, se honesto, sentiria o valor do conjunto de argumentos.
O relator Antonio Anastasia iniciou a leitura do seu relatório pouco antes de 15h30 de ontem, quarta-feira. Menos de 24 horas depois de encerradas as últimas e detalhadas exposições da defesa. Ainda que desejasse, o relator não teria tempo de analisá-las, fazer sua confrontação com as acusações, com os fatos e documentos. E só então fixar suas conclusões e produzir o relatório, de aceitação ou recusa do processo e julgamento pelo Senado.
Muito extenso, com longas preliminares histórico-jurídicas, e minucioso na apreciação das questões de fato suscitadas pela acusação, o relatório evidenciou que suas conclusões e preparação ficaram concluídas antes das etapas finais da defesa. Já nas preliminares, de elaboração bem anterior, o relatório facilitava a percepção do resultado ainda muito distante na demorada leitura.
Não é seguro que, no caso, o intervalo adequado levasse ao estudo do último e importante ato da defesa. Nem que o estudo influísse na visão de Anastasia. Mas a ausência do intervalo necessário deixou um sinal negativo nas condições de uma decisão tão grave pelo Senado. Com agenda assim apertada, e sem necessidade disso, parte da defesa se torna inútil já por antecipação. A defesa se encerra como ato de aparências, e não de equidade entre os opostos.
O problema se repete na cronologia ainda mais forçada: Anastasia concluiu a exposição do seu complexo relatório já à noite, e o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, deve confrontá-lo como defensor já às 10h de hoje. Comentário dispensável.
Antonio Anastasia é do PSDB, que encabeça os partidos pelo impeachment, e associado a Aécio Neves. Em termos políticos e éticos, uma indicação de relator que atendeu apenas à formalidade. Não à equanimidade, nem na pequena medida em que é possível entre representantes partidários. Medida ontem bem praticada pelo presidente da sessão difícil, senador Raimundo Lira.
No plenário do Senado, onde se abre o processo de impeachment, a sequência de acusação, defesa e relatório repete-se, com importância ainda maior. Há tempo para reexame da agenda prevista e para a discussão de escolhas pessoais e políticas para os cargos necessários. Com o jogo jogado, trata-se mesmo de cuidar das aparências. Que cuidem melhor.
O ACUSADOR
O esforço contra Dilma não cessa de exibir situações originais. Na exposição como um dos acusadores pró-impeachment, no Senado, o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira, disse que “as pedaladas fiscais ocorreram de forma continuadas de 2013 a 2015”.
Ou não tinham a gravidade de repente acusada ou a acusação virou autoacusação. O que ele providenciou, a respeito, já em 2013 ou mesmo em 2014, como procurador da República designado para o assunto?
A acusação alcança o TCU, mas aí não há novidade.
À VONTADE
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, na terça, passou ignorado, ou quase, na imprensa brasileira. Logo ela, que se dá liberdades como poucas.
Publicado originalmente na Folha de Sãom Paulo