Aldeia Nagô
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Por que o filme “Zuzu Angel” incomoda. Por Emir Sader

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura
Zuzu incomoda, como a personagem real incomodou no seu tempo.

Patrícia Pillar, como Zuzu incomoda
Por Emir Sader

Quando o mundo volta a ter um importante cinema político, a crítica
brasileira se mostra ainda insensível e incapaz de assimilar essas
temáticas. Veja-se o caderno especial do Le Monde Diplomatique –
"Maniére de voir" – onde se dá conta que, com o surgimento do movimento
de luta por "um outro mundo possível" e com os atentados de 2001 nos
Estados Unidos, surgiu uma nova onda de politização do cinema no mundo,
com reconhecimento dos grandes festivais de cinema que, pela primeira
vez, deram um prêmio a um filme como o de Michael Moore, além de
prestigiar a vários outros.

Por aqui, Olga  foi abominado pela
crítica, embora consagrado pelo público. Agora, Zuzu (Angel) não
encontrou palavras de alento da crítica, embora uma ou outra voz
isolada incentive a que o filme seja visto pelo grande público.

Zuzu incomoda, como a personagem real incomodou no seu tempo. Hoje,
quando recorda as atrocidades da ditadura militar – seqüestros,
torturas, execuções, desaparições. Quando vários personagens e órgãos
da imprensa que participaram do regime ou compactuaram com ele, andam
por ai, Zuzu incomoda.

Vem sempre a perguntinha que os jovens
alemães, quando tomaram consciência do nazismo, passaram a perguntar
para seus pais: Onde estava você? Não sabia daquilo tudo? O que fez
contra? Com um imenso medo e desconfiança da
cumplicidade dos pais com o nazismo.


Hoje nenhum órgão da imprensa fez a perguntinha a políticos, a
empresários e aos próprios grandes órgãos da mídia: Onde estavam vocês?
Não sabiam daquilo tudo? O que fizeram contra? Com uma desconfiança
fundada da cumplicidade de
todos eles.

Zuzu incomoda,
porque toca numa ferida que nunca cicatrizou, porque nunca foi tocada:
empresas e empresários  financiavam a tortura, a repressão desatada
pela ditadura militar e enriqueceram durante todo esse período.

Quem
são? O que fizeram? Quanto ganharam? Foram anistiados também pelo
decreto da ditadura militar?. O papel da grande mídia também fica
exposto: quando Zuzu diz que vai escrever cartas para as pessoas mais
importantes do país, a  caixa de envelopes deixa ver claramente quem é
o primeiro da lista: Roberto Marinho. Ela vai à redação de um jornal
para tentar publicar o anúncio fúnebre da morte de Stuart, recebe um
rotundo não do editor que a atende. E, no final do filme, se diz que a
carta que Zuzu deixou na casa de Chico Buarque, teve 22 cópias feitas
por este e enviadas para os principais órgãos de imprensa da época, mas
nenhum o publicou..

Mas vale muito a pena ver Zuzu não apenas
por razões políticas. O filme -assim como Olga – é muito bem feito,
sensível,  tocante, agudo. Uma crítica estetizante, aberta para
qualquer bagulho de Hollywood, demonstra uma impressionante falta de
sensibilidade estética, mas também de sensibilidade política e humana.
Será esta a insensibilidade da crítica pos-moderna, vazia de conteúdo,
cortada do passado e do próprio presente?.


Recomendo: vejam Zuzu, que incomoda, por ótimas razões, a quem tem que
ser incomodado e que nunca foi incomodado – pelas torturas, que geraram
polpudos lucros e fortaleceram monopólios privados. A violência, o
terror, a ditadura, que estiveram a serviço das grandes fortunas. Para
que este passado passe, vejamos todos Zuzu, apuremos quem produziu o
terror, quem ganhou com ele, quem ainda anda por aí, impunemente, às
custas da dor de Stuart, de Zuzu e de todas as vítimas – a quem a
democracia não fez justiça até hoje.

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